Domingo, 30 de Julho de 2006

O desejo de Salazar

Outro dia chegou-nos às mãos um press release do Hotel Ritz. Trata-se de uma cópia actual, distribuída à imprensa. Destacamos as seguintes passagens:


“O Hotel Ritz começou a ganhar vida, em 1952, a partir de uma ideia de António de Oliveira Salazar. Abordando Ricardo Espírito Santo Silva, um cruzado moderno dedicado à causa da promoção e preservação do património artístico e cultural português, Salazar exprimiu o desejo de construir um hotel emblemático (…)”


“(…) foi sob a orientação do lendário Queiroz Pereira que a ideia para Lisboa original cresceu e se transformou no hotel que hoje vemos.”


“Maude Lagos (filha de Queiroz Pereira), para quem o hotel está na massa do sangue, herdou do pai a visão e a paixão pela continuidade do sucesso (…) tendo dedicado a sua vida a garantir a continuidade das ideias originais do pai.”


Do discurso de Queiroz Pereira na inauguração (1959): “ao longo da sua existência, (o hotel) deverá proporcionar luxo e conforto, dignificar a cidade e, acima de tudo, honrar a nação.”


Aqueles que são do tempo da outra senhora, certamente sentirão um arrepio na espinha ao ler estes parágrafos. Está lá tudo o que caracterizava o tom do discurso salazarento: os elogios empolados ao salvador da nação e ao senhores do regime, a narrativa pseudo-histórica devidamente depurada (não se fala de Diamantino Tojal, o homem que realmente fez o Ritz, nem do arquitecto), o patriotismo bacoco. Aqueles que não são do tempo da outra senhora certamente terão dificuldade em perceber o que será um “cruzado moderno”, o que pode haver de “lendário” na figura de Queiroz Pereira, ou o que será uma “paixão pela continuidade do sucesso”. Para não falar na “honra da nação” como objectivo de um empreendimento hoteleiro... Mas há outras observações, sobre arte, por exemplo, que poderão apreciar:


“A eclética mistura de esculturas, pinturas e tapeçarias, representativa dos valores nacionais e da independência do espírito criativo português, transformou o hotel numa verdadeira galeria de arte.”


“O conceito geral (da decoração), que associava tendências art déco ao estilo Luis XVI, foi potenciado pela cuidadosa selecção dos materiais utilizados e pela qualidade e acabamentos insuperáveis dos artesãos portugueses.”


Desde 1975 o Ritz mudou de proprietários e teve vários directores gerais e outros tantos directores de relações públicas. Como é que nunca ninguém reparou no ridículo deste texto? Como é que nunca ninguém achou conveniente actualizar este discurso?

publicado por Perplexo às 17:17
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim


ver perfil

seguir perfil

. 23 seguidores

Veja também:

"Pesquisa Sentimental"

 

 

pesquisar

posts recentes

Concurso de blogues

Voltarei

Silêncio...

Horta e Alorna

A Selecção, minuto a minu...

Cosmopolis

Millôr Fernandes

A maçã chinesa

Transigir ou não transigi...

EDP, o verdadeiro escânda...

arquivos

Janeiro 2013

Julho 2012

Junho 2012

Março 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Janeiro 2008

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Maio 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

subscrever feeds