Outro dia chegou-nos às mãos um press release do Hotel Ritz. Trata-se de uma cópia actual, distribuída à imprensa. Destacamos as seguintes passagens:
“O Hotel Ritz começou a ganhar vida, em 1952, a partir de uma ideia de António de Oliveira Salazar. Abordando Ricardo Espírito Santo Silva, um cruzado moderno dedicado à causa da promoção e preservação do património artístico e cultural português, Salazar exprimiu o desejo de construir um hotel emblemático (…)”
“(…) foi sob a orientação do lendário Queiroz Pereira que a ideia para Lisboa original cresceu e se transformou no hotel que hoje vemos.”
“Maude Lagos (filha de Queiroz Pereira), para quem o hotel está na massa do sangue, herdou do pai a visão e a paixão pela continuidade do sucesso (…) tendo dedicado a sua vida a garantir a continuidade das ideias originais do pai.”
Do discurso de Queiroz Pereira na inauguração (1959): “ao longo da sua existência, (o hotel) deverá proporcionar luxo e conforto, dignificar a cidade e, acima de tudo, honrar a nação.”
Aqueles que são do tempo da outra senhora, certamente sentirão um arrepio na espinha ao ler estes parágrafos. Está lá tudo o que caracterizava o tom do discurso salazarento: os elogios empolados ao salvador da nação e ao senhores do regime, a narrativa pseudo-histórica devidamente depurada (não se fala de Diamantino Tojal, o homem que realmente fez o Ritz, nem do arquitecto), o patriotismo bacoco. Aqueles que não são do tempo da outra senhora certamente terão dificuldade em perceber o que será um “cruzado moderno”, o que pode haver de “lendário” na figura de Queiroz Pereira, ou o que será uma “paixão pela continuidade do sucesso”. Para não falar na “honra da nação” como objectivo de um empreendimento hoteleiro... Mas há outras observações, sobre arte, por exemplo, que poderão apreciar:
“A eclética mistura de esculturas, pinturas e tapeçarias, representativa dos valores nacionais e da independência do espírito criativo português, transformou o hotel numa verdadeira galeria de arte.”
“O conceito geral (da decoração), que associava tendências art déco ao estilo Luis XVI, foi potenciado pela cuidadosa selecção dos materiais utilizados e pela qualidade e acabamentos insuperáveis dos artesãos portugueses.”
Desde 1975 o Ritz mudou de proprietários e teve vários directores gerais e outros tantos directores de relações públicas. Como é que nunca ninguém reparou no ridículo deste texto? Como é que nunca ninguém achou conveniente actualizar este discurso?