Há que tempos que andava com vontade de fazer uma análise do famigerado “Relatório do Grupo de Trabalho para a definição do conceito de serviço público de comunicação social”. Mas, tendo o relatório 32 rebarbativas páginas, a análise acabaria por ter umas 60, o que está muito acima da minha paciência para escrever e da do leitor para ler.
Basta dizer que o documento faz afirmações muito discutíveis, para não dizer disparatadas, e propõe soluções disparatadas, para não dizer discutíveis. É de tal maneira que até faz pensar numa manobra politica, como muito bem salientou o impagável João Quadros, no Jornal de Negócios:
“Aquilo é tudo escrito. Primeiro, vem o Duque em versão "bad cop", e depois vem o Relvas a fazer de "good cop" e só corta o que lhe dá jeito. É tudo um "show" para entreter a audiência enquanto, nos bastidores, já está o final decidido. Faz falta a Teresa Guilherme para o tornar mais credível.”
Quanto aos erros, inutilidades e incongruências dos preliminares do Relatório, aqui vão três exemplos:
Países com outra dimensão territorial e populacional, assim como outra unidade linguística, como os Estados Unidos e o Brasil, não possuem «serviço público» de comunicação social com relevância mínima
Logo por azar, o GT cita dois países que têm canais de “serviço público”! No Brasil, há a TV Cultura e nos Estados Unidos a PBS. Embora as figuras jurídicas sejam diferentes, o objectivo é precisamente o mesmo.
Inclusão de todos os meios no serviço público, ou seja, além da rádio e televisão, também os media interactivos e tecnologias sociais
O que o GT aqui propõe como grande avanço já existe há muito tempo: todas as RTPs têm páginas actualizadas diariamente na Internet, inclusive com programas em tempo real. E estão no FB e no Tweeter, claro.
O GT alerta para a necessidade de não se confundir o serviço público de comunicação social com a entidade ou as entidades actualmente encarregadas de o fazer. De facto, mais importante do que as instituições, é o serviço que elas devem prestar.
Isto que dizer o quê? Que todos os canais devem serviço público? De livre vontade ou obrigados? Se for de livre vontade, poderão não o fazer, se não tiverem vontade, o que é mais provável. Não se pode deixar as necessidades de serviço público ao sabor dos interesses comerciais de canais que precisam de vender publicidade e colocação de produtos para viver. Também não se pode obrigar canais privados a prestar um serviço público sem alterar a democraticidade do sistema.
Feitas estas afirmações, e muitas outras, que não são mais do que enchimento de chouriços, ou trocas de alhos por bugalhos, as propostas concretas são as seguintes:
Um só canal RTP, sem publicidade;
A RTP África acaba:
A RTP Internacional fica, tutelada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros;
As RTPs Açores e Madeira acabam
A Lusa é privatizada, com um contrato de fornecimento de serviço ao estado
Manutenção do Arquivo de Imagem Audiovisual da RTP, com garantias de preservação e disponibilização por parte do Estado;
Fim da ERC e entrada em vigor da auto-regulamentação;
Criação de um Provedor da Língua Portuguesa.
A ideia da RTPI ser tutelada pelo MNE, além de inédita no mundo, contraria precisamente a ideia, expressa muitas vezes no relatório, que é essencial preservar a independência política da comunicação social. Francamente, só faz sentido na Coreia do Norte ou em Cuba. O MNE não tem nem estruturas nem vocação para tal tutela.
O Arquivo seria preservado e disponibilizado por quem? Pelo ministério da Administração Interna? Como? Possivelmente cria-se mais um Instituto ou empresa pública só para isso...
A auto-regulamentação já se sabe no que dá...
O Provedor da Língua Portuguesa o que faria? Determinar que não se pode usar palavras estrangeiras ou estrangeiradas na comunicação social? Como procederia, multando os faltosos?
Não vamos ao ponto de dizer que a criação deste GT foi para fazer de Relvas o bom polícia, mas não há dúvida que não serve para nada. As definições que apresenta são redundantes, as propostas inúteis. O Governo fará o que quiser, e que será vender um dos canais a privados, fechar outros e reduzir as estruturas na empresa ao mínimo. Já começou a propor reformas antecipadas e rescisões amigáveis a muitos profissionais. Para isso, não precisava desta patetice.