Esperado com muita curiosidade (dos consumidores de informação em geral), algum cepticismo (dos habituais críticos, sempre a prever o pior) e um pouco de hostilidade mal disfarçada (dos concorrentes) o jornal i lá saiu na quinta-feira.
No clima de débacle em que vive a imprensa escrita, em Portugal e no mundo, lançar um novo jornal diário parece um atrevimento... ou um disparate. Não estão os jornais a fechar às dezenas por mês, no culminar de uma crise que já tem anos, mas que a combinação da depressão com as novas tecnologias tornou inexorável e iminente? No nosso país ainda não fechou nenhum, mas as tiragens têm vindo a descer — isto partindo já de tiragens baixas — e os prejuízos a aumentar. Para este ano já foram anunciadas algumas fatalidades, e entretanto os jornalistas têm sido despedidos às dezenas. Embora a Internet seja considerada a maior responsável por esta situação (mas não a única), a questão é que a passagem do papel para o ecrã ainda não encontrou um modelo de negócio possível. Para dar um único exemplo, o New York Times tem um milhão de leitores em papel e vinte milhões na net, e no entanto ainda não conseguiu fazer dinheiro com o seu site. Sem receitas, não é possível transferir para a rede as “seguranças” da circulação impressa: profissionalismo, investigação certificada e responsabilização. Por mais que os sites ou os blogues sejam interessantes, rápidos e abrangentes, é difícil distinguir a prata da lata em páginas anónimas, sectárias, escritas por diletantes, ou pejadas de intenções ocultas. A informação na net, como toda a informação, precisa de dinheiro para viver saudavelmente. Um dia encontrar-se-á o modelo, mas ainda não aconteceu, e o período de transição pode levar anos — tarde demais para a maioria dos jornais e revistas.
Neste clima, seria suicídio fazer apenas mais um jornal, igual aos outros. Nenhuma diferença de cor política, de perspectiva editorial ou de qualidade dos profissionais seria suficientemente para dar a outro jornal a vantagem competitiva suficiente. Então, a única possibilidade seria apostar num modelo diferente.
Foi isso que fez o i. A nosso ver, não se trata de um jornal em papel que, como qualquer outro, tem o seu site. É isso que todos fazem, e não está a resultar. Também não se trata de um jornal exclusivamente na internet, porque até agora nenhum (Daily Beast, First Post, The Huffington Post, para citar os mais notáveis) conseguiu a massa crítica e as receitas necessárias.
Não, o i é um jornal na internet que também tem uma edição impressa. Ou seja, tem a estrutura, o funcionamento e a organização que lhe permitem fazer a passagem para a exclusividade electrónica à cadência que o mercado permitir. Poderá continuar assim, “híbrido”, durante um ano ou dez anos. Neste sentido, parece-nos a melhor aposta — a única, realmente — neste momento.
O i internético é o mais avançado que já vimos, mesmo comparado com os acima citados — e está a milhas de distância de outros jornais portugueses que, tal como o NY Times, Guardian, Figaro, etc., simplesmente colocam na net as suas páginas escritas. A navegação, os roll-ons, o grafismo, tudo foi pensado de raiz para a net, e portanto já nada tem a ver com as colunas de texto com anúncios à direita e um mpeg aqui e ali. Tem inclusive, possibilidades de interactividade superiores ao simples comentário do leitor; aceita colaborações espontâneas, sugestões e imagens de quem o lê. Se os leitores quiserem, poderá ser um espécie de núcleo de rede social.
Seja qual for o seu percurso, à partida já é um case study do jornalismo mundial. Muito bem.
Agora, quanto às questões se é bonito ou feio, bem escrito ou mal escrito, se a edição é pertinente ou superficial, se fala disto ou daquilo — bom, isso é outra história. No país dos dez milhões de críticos (incluindo velhos gagás e crianças recém-nascidas), as opiniões dividem-se. Algumas são mesmo ridículas, como por exemplo que o facto do endereço principal ter a palavra “contenidos” querer dizer que foi feito por espanhóis — isto dito no tom de que espanhol é “suspeito”. Ou que a fotografia da capa do primeiro número não devia ser a preto e branco. Ou se cinco colunas é melhor do quatro ou pior do que três. São questões de lana caprina, sem qualquer interesse para a grande questão de saber se temos um jornal de referência, bem documentado e bem opinativo.
Ora, para saber se temos, precisamos de tempo. Um jornal diário não pode ser avaliado pelo primeiro número, nem pelos primeiros dez. Um mês, pelo menos. Seis meses, com certeza.
Agora, há coisas que se percebem logo: o grafismo é excelente, não só por ser bonito, mas por dar uma leitura fácil e confortável, com visões amplas e desimpedidas. A escolha de temas é equilibrada e tem personalidade, com os velhos assuntos abordados com frescura, e novos assuntos que normalmente só aparecem nas revistas. Sente-se uma curiosidade da parte da redacção, um dinamismo e uma vontade de fazer com arte e com graça. Há textos grandes e pequenos, mas sobretudo pequenos, porque hoje em dia os leitores querem saber depressa, com poucos gongorismos, directo ao assunto.
A nova divisão de secções, não sendo uma questão fundamental, parece estar mais de acordo com a maneira de pensar actual. (Por exemplo, a mistura do nacional com o internacional, numa época em que as notícias são instantâneas no mundo inteiro e o que acontece no nosso bairro é tão importante como o que acontece na China.) E tanto a edição em papel como a online, sendo interdependentes, parecem ter vida própria. Pode viver-se só com uma delas, ou com as duas.
Resumindo, o í é uma mais valia entusiasmante, num tempo em que as valias parecem todas menos. É sempre fascinante ver nascer um conceito novo — e ter consciência, no momento em que se vê, que se está a ver.
(Declaração de interesses: sim, é verdade que colaboro no i. Mas não participei no projecto nem tive qualquer conhecimento prévio do que seria; só o vi na quinta-feira, como toda a gente. E o meu relacionamento com a redacção é apenas profissional.)