Quando o Bloco de Esquerda apareceu – aqueles grafitis com várias ovelhas brancas e uma preta, lembram-se? — simpatizei imediatamente com eles. Não era segredo nenhum que se formaram juntando três grupos marxistas-leninistas, um deles trotskista, ou os três, já não me lembro. Ora eu não sou comunista, nem nunca fui, mas subscrevo algumas análises e bandeiras dos comunistas, sem complexos. O Bloco parecia ser finalmente um partido comunista moderno, atento às questões do nosso tempo e sem aquele ranço da “luta da classe trabalhadora” que cheira a década de 1930. Estamos na era pós-industrial, dos serviços e das redes sociais, mas o PCP ainda não percebeu. Continua a dizer “trabalhador” imaginando o operário suado, de fato de macaco, a manipular a prensa de 100 toneladas. Esse trabalhador já não existe. A fábrica da VW em Palmela parece um laboratório clínico, o chão brilhante e os colaboradores de bata branca, completamente aburguesados. A antiga classe trabalhadora aburguesou-se e o PCP ainda não percebeu – entre outras más leituras, que não vêm para o caso.
Mas voltemos ao Bloco. Eram rapazes novos, desempoeirados, que ainda por cima defendiam causas alternativas impensáveis para uma grande parte da esquerda conservadora, como a liberalização das drogas leves e os direitos dos homossexuais. Marxistas, sem dúvida; mas as teses de Marx não provaram estar erradas, apenas precisam de se adaptar ao contemporâneo. Nunca me passaria pela cabeça viver num país dirigido por um Governo do Bloco de Esquerda; mas achava (e ainda acho) que era bom que eles tivessem assento parlamentar. Uma dúzia, para terem peso e poderem participar de alianças táticas. Aquela insistência do PCP de considerar tudo à sua direita como A Direita e se recusar a alianças só fazia com que nenhum dos pontos da sua agenda pudesse alguma vez ser lei. O Bloco vinha preencher esse espaço, pensava eu. Assim sendo, votei neles em eleições sucessivas. E eles foram crescendo até chegar à tal dúzia de deputados – que aliás creio ser o seu tamanho “natural” no eleitorado.
Mas ao ganhar força o Bloco também começou a ser mais visível. E apareceram dois traços de carácter preocupantes.
Primeiro, o oportunismo de se aproveitar de qualquer manifestação popular, apenas para provocar agitação. Lembro-me concretamente de uma ocupação de casas já desabitadas que iam ser demolidas. Os antigos moradores, apesar de já estarem instalados noutras casas, foram lá protestar, com o Bloco à cabeça. Nem todas as manifestações dos pobres são válidas e honestas, só porque são pobres. Os ex-moradores não tinham razão, e o Bloco sabia-o melhor do que eles.
Segundo, a maluquice de apresentar no Parlamento propostas absolutamente impossíveis de passar ou de ser aplicadas, só para provocar. Tipo, nacionalizar as grandes privadas que tinham sido privatizadas. Ou então deitar abaixo as propostas dos Governos (PS ou PSD) sem apresentar soluções credíveis. Por exemplo, agora na crise, criticar o Governo por baixar os salários da função pública e apresentar como solução “aumentar os impostos dos ricos”. Os ricos mesmo ricos (e não as pessoas que têm grandes salários) podem facilmente mover os seus capitais de modo a não pagar mais impostos. Só os putos anarcas ou os velhos pêcês é que acreditam na possibilidade de um mundo (ou um país) sem ricos. O Bloco devia ser mais realista, se queria realmente chegar a algum lado.
Terceiro, a evidência de que não estavam dispostos a participar numa coligação, em nenhumas circunstâncias. Ou seja, enquanto o PSD tem sempre a muleta do CDS quando precisar, o PS não tem uma simples bengala onde se encostar. O que dá mais hipóteses de vitória à direita. E significa que o Bloco prefere a direita no poder do que uma esquerda que não lhe agrada. Bom para a estratégia deles, mau para as boas ideias que defendem.
E agora esta Moção de Censura. Não preciso elaborar nos pormenores, toda a gente sabe. Até o Daniel Oliveira falou abertamente contra. Num raciocínio muito simples mostrou que esta moção implica que o Governo ficará até ao fim da legislatura, se não acontecer alguma grande desgraça. (Aqui: Eixo do Mal ).
E o incompreensível titubear do PSD já deu mais uma vitória a Sócrates, mesmo se não houver Moção: “Então o maior partido da oposição tem dúvidas sobre os considerandos da esquerda radical? O maior partido da oposição acha que a proposta PODE SER cabível?”
Uma jogada muito má. Porque toda a gente percebe que é para chatear o PCP, pondo a chateação do PCP à frente do interesse do país (que é não haver agitação política). Porque deitar abaixo o Governo seria colocar lá o PSD. E porque ao apresentar a proposta, o Bloco disse tudo o que é preciso para que o PSD vote contra e a proposta não passe. Se é para não passar, para quê apresentá-la?
No Eixo do Mal a Clara Ferreira Alves foi certeira, como o é tantas vezes: “Na sua imaturidade infinita, o BE tropeça nos seus próprios passos. O Bloco deve mudar de dirigentes e crescer, começar a pensar no país e não apenas na sua sobrevivência.” (Não foi exactamente assim, estou a citar de cor, mas é essa a ideia.)
É uma pena já não acreditar nas possibilidades do Bloco. Assim fiquei sem ter em quem votar.