Começaram as sessões em tribunal do Face Oculta, um processo cujos resultados podem ser imediatamente previstos. E nem é preciso pedir à Maya para deitar cartas!
Logo à entrada do tribunal, isto é, ainda nem começada a sessão, já os advogados de defesa avançaram à comunicação social o primeiro arremedo do carnaval que temos pela frente. O argumento é cristalino: como Noronha do Nascimento mandou apagar todas as conversas que envolviam José Sócrates, o processo contém omissões graves. Se o tribunal aceitar este raciocínio, o processo fica sem efeito e vão todos para casa, felizes e contentes. Se não aceitar, a defesa já começa com uma carta na manga que lhe permitirá recorrer para o Tribunal Constitucional.
De facto os advogados têm um certa razão. A inacreditável atitude do presidente do STJ abriu um precedente legal difícil de destrinçar, e que portanto se presta a todas as conclusões.
O caso percebe-se melhor com um exemplo: vamos supor que a polícia faz uma busca (com mandato) em casa de um ladrão de auto-rádios e encontra lá outro ladrão com uma televisão debaixo do braço. Como o mandato era só para o ladrão de auto-rádios, os polícias não podem perguntar ao outro ladrão onde é que arranjou a televisão e deixam-no ir embora.
Foi exactamente isto que Noronha do Nascimento legislou, ao dizer que as conversas de Sócrates com Armando Vara tinham de ser apagadas porque Sócrates não estava a ser investigado. Não que Noronha do Nascimento tenha poderes legislativos mas, sendo a mais alta figura da Justiça em Portugal, as suas decisões têm um peso que não pode ser ignorado. Mas também não se pode ignorar que o processo ficou cheio de buracos. (Literalmente: o juiz de Aveiro cortou à tesoura as conversas com Sócrates, deixando as páginas todas esburacadas.)
E se a reclamação da defesa não for aceite? O tribunal pode achar que eles não têm razão. Ou pode levar em conta – inédito na Justiça nacional — o escândalo que seria mandar os arguidos embora sem mais chatices e o descrédito que isso acrescentaria a um sistema que já está com crédito negativo. Bem, nesse caso o processo continua. Certamente que os advogados de defesa já têm mais truques processuais na manga. Portanto vai-se arrastar durante anos, até prescrever quando já estiver no Constitucional.
Que nenhum dos arguidos vai preso, não é difícil de prever. (Godinho, o elo mais fraco, já amargou uns meses de preventiva e assim já pagou a sua parte). Basta ver as estatísticas: quantos cidadãos de perfil mediático estão presos por corrupção, activa ou passiva, desleixo, roubalheira ou má figura?
Ou, por outras palavras, digam lá o nome de um que tenha sido condenado e esteja preso?
Um, que seja.