Esta semana, no sempre interessante “Bairro Alto” (RTP2) o suave José Fialho Gouveia entrevista Maria Teresa Horta, a propósito da sua biografia da Marquesa de Alorna.
Vale a pena ver a entrevista inteira, mas tocou-me particularmente quando Maria Teresa contou os seus problemas com a censura e a polícia política do Estado Novo. Depois de publicar o seu primeiro livro de poesia pela Dom Quixote, considerado obsceno pelo pudor salazarento, a PIDE fazia-lhe buscas em casa às quatro da manhã, legionários deram-lhe uma sova e recebia telefonemas obscenos em casa e no trabalho. César Moreira Baptista, o sinistro apaniguado do regime para a Cultura, mandou chamar Snu Abecassis e disse-lhe que se publicasse o que quer que fosse de Maria Teresa Horta lhe fechava a editora.
Coro de vergonha a imaginar aquele sabujo (lembro-me perfeitamente da pinta dele, parecia um vendedor de automóveis, daqueles que frequentam bares de alterne) a dar ordens a uma senhora de um país livre que tinha optado por viver entre os cafres. E estas histórias fizeram-me lembrar como era no antigamente, o que foi bom: sinto menos irritação com o que aturamos agora. Apesar das aldrabices e do aperto, estamos muito longe daquele Alta Idade Média em que vivíamos até 1974.
Depois Maria Teresa fala apaixonadamente da sua tataravó, Leonor, Marquesa de Alorna, uma mulher muito à frente do seu tempo e que pagou caro por isso. Maria Teresa, tomada de febres, acha sinceramente que Leonor lhe aparecia durante a escrita da biografia: “Dizia-me o que estava mal, mas não me dizia o que seria certo”. Verdade ou mentira, a biografia deve ser muito interessante.
Finalmente, Maria Teresa tece considerações sobre a situação da mulher, e aqui acho que fala dos seus tempos, não destes. A situação já não é tão negra. As mulheres ainda são descriminadas de muitas e subtis maneiras, mas já não são as submissas escravas de que ela fala. Também aqui houve progressos. Se ela lesse a “Pesquisa Sentimental”, ficaria a saber...