Mais um caso merdoso. Desculpem a palavra. Mas não me ocorre outra. Não me refiro aos casos da Casa Pia, do Apito Dourado ou a tantos outros que como resultado comum só têm servido para baixar a nossa auto-estima e esperanças no sistema. Refiro-me a uma ocorrência que realmente nunca ocorreu, mas mesmo assim faz sangue: o caso do Envelope 9. É uma daquelas histórias em que ninguém agiu bem, ninguém sai a ganhar e, de certo modo, todos perdemos.
O “24 Horas”, há que reconhecê-lo, levantou um problema que não era problema; o facto de a incompetência, descaso ou simples estupidez de alguém ter feito com aquelas informações todas (o tráfego telefónico das mais altas patentes nacionais) constassem do processo Casa Pia, não tinha tido, como se sabe, quaisquer efeitos práticos. Quer dizer, as informações estavam lá e não deviam estar, mas nunca foram vistas ou utilizadas por ninguém, portanto era como se não estivessem. Foi preciso os jornalistas do “24 Horas”, na sua incessante busca por escândalos que agradem à opinião pública e subam as vendas, foi preciso que eles vasculhassem o fundo das caixas para encontrar, finalmente, algo que com potencialidades de “fit the bill”.
O Sr. Procurador Geral da República… bem, mostrou mais uma vez a sua confusão, seguidamente a sua ineficiência e, finalmente, a sua vingança. Primeiro, debaixo de fogo, disse várias coisas contraditórias, quando devia ter mostrado serenidade e confiança no seu serviço. Depois, limitou-se a enterrar o caso em mais uma investigação lenta e obscura, ignorando olimpicamente o “pedido” do Presidente da República e a satisfação devida à opinião pública. Finalmente, agora de saída e pressionado pelo vergonhoso atraso de um processo obviamente simples, resolveu atirar com as culpas para os jornalistas que abriram o Envelope.
Que o inquérito tenha revelado que não há ninguém responsável, nem surpreende, nem choca. Não surpreende porque em Portugal nunca há ninguém responsável por coisa nenhuma. Quando não o dolo propriamente dito, mesmo a incompetência, a falta de interesse pela coisa pública e a simples patetice não são susceptíveis de punição legal, por piores que sejam as suas consequências. Da ponte Hintze Ribeiro (que matou pessoas) ao Apito Dourado, nunca existe substância para culpar ninguém de nada.
E não choca porque de facto, não havendo consequências do erro, se o “24 Horas” não o tivesse descoberto ninguém seria prejudicado de nenhuma maneira. Mais um documento enterrado entre milhões de tantos outros até um dia ser incinerado ou perdido nos arquivos da burocracia.
Agora, processar os jornalistas por terem descoberto a coisa, isso sim, deixa-me perplexo e de cabelos em pé. Não é só a velha história do mensageiro ser culpado pela notícia. Não é o facto, discutível deontologicamente mas nada ilegal, dos jornalistas terem praticamente criado uma crise a partir de nada. É a mensagem clara de que quem se mete com os poderes – no caso, a Procuradoria – é melhor ter cuidado com as consequências. Mesmo que os jornalistas ganhem em tribunal, o que provavelmente acontecerá, a sua atitude irá custar ao “24 Horas” milhares de contos de advogados e tempo perdido, razão suficiente para os proprietários lhes pedirem para “ter mais cuidado” com as suas investigações. E é mais um processo inútil que se arrastará anos nos tribunais, a consumir recursos tão necessários noutros processos.
Por mais que discorde da atitude do mensageiro, não vejo razão para o punir. A liberdade de informação inclui também a liberdade de errar, disparatar, venalizar e exagerar. Agora, a liberdade de informação precisa de um Ministério Público eficiente, rápido e transparente. Será assim tão difícil?