Quinta-feira, 26 de Janeiro de 2006
Toda a gente viu, na televisão, as cenas “verité” da demolição de umas casas abarracadas na Azinhaga dos Besouros, Concelho da Amadora (com o bairro do Sol, já no Concelho de Lisboa, a servir de encantador pano de fundo). O que pouca gente terá reparado é que a maioria dos manifestantes arrancados à força de cima dos telhados não eram moradores, mas sim militantes do Bloco de Esquerda. Sob a participação do BE (sob a capa da Associação Solidariedade Imigrante) nestas anarqueiradas, não é preciso comentar: a atitude fala por si. Sobretudo porque o BE conhece bem a situação que a seguir descrevo. Mas a reportagem, com a superficialidade habitual da informação televisiva, não comentou nada sobre antecedentes e situação real dos “moradores”. Vamos por partes. Os habitantes das barracas da Grande Lisboa têm sido realojados em casas camarárias ao abrigo do PER (Programa Especial de Realojamento). O último recenseamento para o PER ocorreu em 1996 e portanto só é atribuída habitação as pessoas que figuravam nessa lista. Já lá vão dez anos, e entretanto muitas dessas pessoas tiveram filhos, e muitos filhos casaram e deram-lhes netos. Todos acham que têm direito a casa do PER, ou seja, que a função social do Estado deve perdurar de geração em geração, filhos, netos e bisnetos com direito eterno a habitação quase gratuita. Ora as câmaras recusam-se a alojar nos novos apartamentos mais pessoas do que as recenseadas, e recusam bem, pois senão teríamos famílias de oito ou dez a morar em habitações com um ou dois quartos. A maioria das cenas tristes a que temos assistido ao longo dos anos resultam desta situação. Acresce que, em muitos casos, e a Azinhaga dos Besouros é um deles, os desalojados já moram noutros locais, e mantêm uma aparente residência nas barracas para não perder o direito a casas novas quase totalmente subsidiadas. Até houve uma mulher que, quando a repórter lhe disse “mas a senhora já não morava aqui”, respondeu com esta pérola: “Estive ausente durante algum tempo, mas agora voltei.” O PER foi uma boa ideia, pois deu habitação condigna a muita gente que não teria condições para alugar uma casa (rendimento, fiador, etc.) mas o conceito encerra um mau princípio, que tem dado muitos problemas e é, a longo prazo, uma autêntica bomba relógio: as casas são alugadas e geridas por empresas municipais, em vez de serem vendidas. A renda é determinada pelos rendimentos da família, o que ocasiona imediatamente fraudes, uma vez que a maioria das pessoas não tem emprego fixo nem passa recibos. Sendo as casas alugadas, os inquilinos sentem-se logo no direito de se queixar dos defeitos e estragos, sem se sentirem obrigados a fazer eles os arranjos e reparações; e as empresas camarárias têm uma gestão gigantesca e complicadíssima nas mãos que, evidentemente, não conseguem exercer com eficácia. As casas deveriam ser vendidas, com crédito bonificado e a longo prazo, pois assim as câmaras não ficariam a braços com a gestão, e os proprietários decerto seriam mais cuidadosos com os seus novos bens imobiliários. Imagino a gestão dos bairros entrar em rotura, a longo prazo, ou mesmo dentro de poucos anos, e a maioria destes empreendimentos transformar-se em novos bairros da lata. Lá estará o BE a ajudar à confusão.