Quanto à correlação, é o seguinte: os meios electrónicos permitem contar as audiências minuto a minuto, em tempo real. Portanto amanhã já se sabe quantas pessoas assistiam a cada um dos canais hoje à noite. Os preços dos anúncios variam proporcionalmente, portanto para o canal é importante “fixar” uma audiência o maior possível durante o mais tempo possível. Como o controle remoto permite mudar de canal instantaneamente, sem levantar o rabo do sofá, toca a manter o interesse do espectador constante, o que só se consegue com muita agitação, luzes brilhantes e, com certeza, uma superficialidade gritante. Não dá para expor ideias que levam mais de 10 segundos a expor, apresentar casos que levem mais de um minuto a apresentar. Numa entrevista, ou num debate, se alguém fala durante mais de um minuto, o jornalista tem logo que o mandar calar – e durante esse minuto a câmera andou a passear pela sala, mostrou outros rostos, outras imagens. Neste ritmo, uma ideia que precise de mais de 150 palavras para se explicar, já não pode ser explicada. (Este texto até aqui tem 280 palavras.) Isto não é propriamente um “defeito” do meio, mas tem as suas consequências.
A segunda questão é a necessidade de imagem. Não é só estar sempre a mudar o que aparece no ecrã; é também, e sobretudo, ter alguma coisa para mostrar. Uma notícia sobre a subida das taxas de juros, por exemplo; o que é que se mostra? A fachada do Banco de Portugal, uma sala cheia de corretores em frente aos computadores, a linha de montagem da Autoeuropa (típico) – tudo imagens genéricas, e as pessoas já estão a mudar de canal. Então, o resultado é que notícias sem imagem não são notícias. Este critério elimina muita coisa importante e dá relevo a notícias da treta que têm belas imagens.
Finalmente, o noticiário permanente. O slogan da SIC Notícias é o título deste artigo, e já diz tudo. A verdade é que o mundo pode não parar, mas não anda tão depressa, e a actualidade tem hora. “Antigamente”, com os jornais, o noticiário saia uma vez por dia. Agora é de hora a hora. Não há notícias novas, interessantes, de hora a hora. Aí repetem-se as mesmas notícias várias horas. É mau, o espectador murmura “esta já vi” e muda de canal. Então, toca a inventar notícias, não-notícias (“estamos aqui em Vilar Formoso para mostrar que NÃO HÁ uma enchente de carros a entrar por esta fronteira” – SIC, verdadeiro), ou notícias da treta.
São estas as realidades do meio televisivo, e não vale a pena bramar contra elas. São um facto. Ultrapassamos o limiar máximo de acesso à informação. De um processo em que havia 50 notícias interessantes (por dia) e 50 sem interesse nenhum, caminhamos rapidamente para 1 notícia interessante e 100 não notícias. Há remédios? Haveria, mas não na sociedade em que vivemos. Talvez a revolução muçulmana o resolva, da pior maneira.