Sábado, 21 de Outubro de 2006

O concurso mais disparatado de sempre

Quem é o maior português de sempre? Má pergunta. Imprecisa, matreira, inútil.


Primeiro, o disparate da proposta. O Portugal que temos deve-se a centenas de portugueses, se não milhares, , que ao longo dos séculos o moldaram das mais diversas maneiras — digamos, nos extremos, ao reprimir violentamente a oposição (Pombal, Salazar e outros mais subtis, ou nem tanto) estiolando certos caminhos possíveis na época, ou ao vencer uma competição desportiva internacional, enchendo-nos de orgulho e auto-estima. Uns foram maiores do que outros - no sentido de terem condicionado mais fortemente a nossa história, comportamento, etc. - mas, dada a disparidade de áreas e as diferenças históricas, é impossível estabelecer uma ordem entre eles. O que terá tido mais importância, a decisão de expandir pela costa de África e chegar à Índia (se houve tal decisão, tomada de uma assentada por alguém), ou o enlevo colectivo e a expressão da alma lusa na voz inconfundível duma fadista? A aliança com a Inglaterra no século XIV, ou a entrada na União Europeia no século XXI? O Prémio Nobel de Egas Moniz ou o reconhecimento mundial de Eusébio? É uma discussão impossível e, em última análise, inútil. .


Segundo, a ambiguidade da classificação. Trata-se de escolher o "melhor", ou o "maior"? O site da RTP diz que “o programa destina-se eleger a personalidade mais marcante da História de Portugal. O português que você mais admira.” A confusão é inevitável e, imagino, generalizada. “Mais marcante”, ou seja, “maior” e mais admirado”, ou seja, “melhor” não é a mesma coisa, evidentemente. Que acções foram mais marcantes para o país? Mesmo dentro de uma campo delimitiado – digamos o das decisões políticas, que serão mais abrangentes do que vitórias desportivas ou ideias culturais, que venha o diabo e escolha. A decisão de Afonso Henriques de mandar prender a mãe, ou de Fontes Pereira de Melo ao trazer o caminho de ferro para Portugal? Não só é inevitável a confusão entre maior e melhor, como está inerente às convicções ideológicas de cada um. .


Terceiro, a inevitabilidade do disparate. A lista em si já é um saco de gatos que toca o ridículo. O “português mais marcante” poderá ser Alfredo Marceneiro ou da Silva? António Aleixo, Champalimaud, ou Lopes Ribeiro? Lopes ou Paredes? Em alguns casos, os nomes propostos são tão obscuros, que só especialistas da época ou da área os poderão conhecer – quem foram Guilhermina Suggia, ou Jacob de Castro Sarmento? Noutros, o impacto foi grande mas tão negativo que nem se percebe a ideia, como D. Sebastião, o adolescente problemático que nos meteu numa aventura fatal (para ele, para a nata da nobreza e para a independência nacional) ou o 1º Duque de Palmela, que expoliou o país em proveito próprio, à vista de toda a gente. Noutros ainda, chega a ser quase caricato. Há alguém que possa pensar que Mariana Alcoforado, uma freira com angústias amorosas, ou Catarina Eufémia, uma camponesa com angústias sociais, terão tido algum impacto na História de Portugal?


Num país com os padrões culturais que sabemos, não será de estranhar termos como finalistas Mourinho, Figo e Joaquim Agostinho. Se a escolha fosse para fazer uma lista dos portugueses mais importantes (com 100 ou 500, ou 1.000 nomes) o risco de disparate seria bem mais pequeno. Mas a pergunta manter-se-ia: para quê?

publicado por Perplexo às 12:39
link do post | comentar | favorito

mais sobre mim


ver perfil

seguir perfil

. 23 seguidores

Veja também:

"Pesquisa Sentimental"

 

 

pesquisar

posts recentes

Concurso de blogues

Voltarei

Silêncio...

Horta e Alorna

A Selecção, minuto a minu...

Cosmopolis

Millôr Fernandes

A maçã chinesa

Transigir ou não transigi...

EDP, o verdadeiro escânda...

arquivos

Janeiro 2013

Julho 2012

Junho 2012

Março 2012

Janeiro 2012

Dezembro 2011

Novembro 2011

Outubro 2011

Setembro 2011

Agosto 2011

Julho 2011

Junho 2011

Maio 2011

Abril 2011

Março 2011

Fevereiro 2011

Janeiro 2011

Dezembro 2010

Novembro 2009

Outubro 2009

Setembro 2009

Maio 2009

Abril 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

Dezembro 2008

Novembro 2008

Outubro 2008

Setembro 2008

Maio 2008

Abril 2008

Março 2008

Janeiro 2008

Setembro 2007

Agosto 2007

Julho 2007

Maio 2007

Abril 2007

Março 2007

Fevereiro 2007

Janeiro 2007

Dezembro 2006

Novembro 2006

Outubro 2006

Setembro 2006

Agosto 2006

Julho 2006

Maio 2006

Março 2006

Fevereiro 2006

Janeiro 2006

subscrever feeds