Quem é o maior português de sempre? Má pergunta. Imprecisa, matreira, inútil.
Primeiro, o disparate da proposta. O Portugal que temos deve-se a centenas de portugueses, se não milhares, , que ao longo dos séculos o moldaram das mais diversas maneiras — digamos, nos extremos, ao reprimir violentamente a oposição (Pombal, Salazar e outros mais subtis, ou nem tanto) estiolando certos caminhos possíveis na época, ou ao vencer uma competição desportiva internacional, enchendo-nos de orgulho e auto-estima. Uns foram maiores do que outros - no sentido de terem condicionado mais fortemente a nossa história, comportamento, etc. - mas, dada a disparidade de áreas e as diferenças históricas, é impossível estabelecer uma ordem entre eles. O que terá tido mais importância, a decisão de expandir pela costa de África e chegar à Índia (se houve tal decisão, tomada de uma assentada por alguém), ou o enlevo colectivo e a expressão da alma lusa na voz inconfundível duma fadista? A aliança com a Inglaterra no século XIV, ou a entrada na União Europeia no século XXI? O Prémio Nobel de Egas Moniz ou o reconhecimento mundial de Eusébio? É uma discussão impossível e, em última análise, inútil. .
Segundo, a ambiguidade da classificação. Trata-se de escolher o "melhor", ou o "maior"? O site da RTP diz que “o programa destina-se eleger a personalidade mais marcante da História de Portugal. O português que você mais admira.” A confusão é inevitável e, imagino, generalizada. “Mais marcante”, ou seja, “maior” e mais admirado”, ou seja, “melhor” não é a mesma coisa, evidentemente. Que acções foram mais marcantes para o país? Mesmo dentro de uma campo delimitiado – digamos o das decisões políticas, que serão mais abrangentes do que vitórias desportivas ou ideias culturais, que venha o diabo e escolha. A decisão de Afonso Henriques de mandar prender a mãe, ou de Fontes Pereira de Melo ao trazer o caminho de ferro para Portugal? Não só é inevitável a confusão entre maior e melhor, como está inerente às convicções ideológicas de cada um. .
Terceiro, a inevitabilidade do disparate. A lista em si já é um saco de gatos que toca o ridículo. O “português mais marcante” poderá ser Alfredo Marceneiro ou da Silva? António Aleixo, Champalimaud, ou Lopes Ribeiro? Lopes ou Paredes? Em alguns casos, os nomes propostos são tão obscuros, que só especialistas da época ou da área os poderão conhecer – quem foram Guilhermina Suggia, ou Jacob de Castro Sarmento? Noutros, o impacto foi grande mas tão negativo que nem se percebe a ideia, como D. Sebastião, o adolescente problemático que nos meteu numa aventura fatal (para ele, para a nata da nobreza e para a independência nacional) ou o 1º Duque de Palmela, que expoliou o país em proveito próprio, à vista de toda a gente. Noutros ainda, chega a ser quase caricato. Há alguém que possa pensar que Mariana Alcoforado, uma freira com angústias amorosas, ou Catarina Eufémia, uma camponesa com angústias sociais, terão tido algum impacto na História de Portugal?
Num país com os padrões culturais que sabemos, não será de estranhar termos como finalistas Mourinho, Figo e Joaquim Agostinho. Se a escolha fosse para fazer uma lista dos portugueses mais importantes (com 100 ou 500, ou 1.000 nomes) o risco de disparate seria bem mais pequeno. Mas a pergunta manter-se-ia: para quê?