Não há muito a comentar sobre a pertinência do concurso do "Maior português de sempre"; já o fiz no dia 1 de Fevereiro, com o sugestivo título "A batalha dos cadáveres". Todos os comentaristas se debruçaram sobre esta estranha vitória "as primeiras eleições que Salazar ganha", o que não é bem verdade, porque ele ganhou o plebiscito da sua Constituição de 1933, e isso sem dúvida, uma vez que nessa altura ainda não tinha montado o aparelho censório-repressivo que lhe permitiria depois aldrabar todas as eleições do Estado Novo. Mas a vitória não é estranha, admitindo que o concurso vale alguma coisa. Mais estranho seria se ganhasse o estalinista Cunhal que não teve o mesmo peso na História de Portugal, por mais que isso doa aos seus correlegionários. Quanto às razões deste perplexante triunfo do teimoso ditador, não houve falta delas: manipulação do sistema de voto (é um facto: as pessoas recebiam mensagens enganadoras nos telemóveis, que as levavam a votar em Salazar sem saber), saudosismo por uns "bons velhos tempos" que nunca existiram mas que à distância parecem sempre bons, descontentamento com a bandalheira actual. Pensamos que todas elas são de considerar. Não acredito que ainda haja muitos salazaristas verdadeiros; desde a década de 1950 que diminuiam a olhos vistos, com as guerras coloniais reduziram-se ainda mais, e os que possam restar, já velhos, não terão energia nem pachorra para correrias "eleitorais". Quanto a novos salazaristas, não faz muito sentido, uma vez que, por definição, o sistema morreu com o seu autor. A direita do mesmo teor é também muito pequena, como podemos ver nas manifestações do PRN, que acaba de abrilhantar a cidade com um cartaz contra a imigração. Quanto à direita democrática - aqueles que se chamam a si próprios de "conservadores" - também não creio que estejam interessados em defender o velho tirano, nem lhes interessa serem ligados a ele, morto e enterrado numa nova Europa em que as suas teses já não fazem sentido. Quanto ao saudosismo de pessoas que recordam a sua juventude sempre com mais alegria do que a velhice resinza e mal paga, terá tido algum peso, sem dúvida. Ainda se encontram muitos retornados (a guiar táxis) que consideram ter sido traidos pela III República em geral e Mário Soares em particular. (Não adianta explicar-lhes que o Governo não podia negociar apoiado numa tropa que a partir de 26 de Abril se recusava a lutar.) Há também, isso sim, um grande desencanto com o misto de incompetência e corrupção que grassa no Estado, desde o Governo às juntas de Freguesia (com excepções, claro está, de que nunca se fala) e que leva muita gente a aproveitar todas as oportunidades para votar contra, mesmo as mais surrealistas. Isso não significa uma posição anti-democrática, nem contra esta democracia em particular, mas antes contra a corja (gostamos de usar palavras antigas) que se instalou no poder e que o partilha alegremente sob o disfarce mal amanhado de diferentes partidos. O sistema não é bom, mas continua a ser a melhor opção, e disso as pessoas têm consciência. Afinal, permite que se queixem e, até, que votem num ruralista retrógrado para um concurso cretino.