Não sei porque é que fico aqui no perplexo a descarregar as frustrações sobre a nossa sociedade - não sei, porque, acreditem ou não, a maior parte do meu tempo acordado não penso nem um minuto em tais coisas. Pois, é verdade, durante o meu dia útil - e sobretudo no dia inútil - as minhas considerações são muito mais filosóficas, artísticas e sentimentais do que as aterradoras questões do mundo civil.
É como se o Perplexo fosse uma espécie de catarse - um local onde descarrego a frustração socio-política quando os noticiários da tv ou a leitura dos jornais me fazem lembrar que estou inserido num mundo surrealista onde as lérias apregoadas apenas escondem uma luta darwiniana pelo mais descarado "para mim, tudo para mim, os outros que se fodam". No entanto, acreditem, grande parte das minhas horas conscientes é passada em profundas considerações cósmicas ("the meaning of life", sempre o "meaning of life"), estéticas e românticas, para não falar no trabalho, que me obriga a pensar nas questões de lana caprina que levam os meus empregadores a pagarem-me mensalmente os cobres rapidamente gastos num consumismo assumido e altamente satisfatório.
Tempos houve, décadas atrás, séculos antes, em que queria convencer toda a gente e perturbar os valores estabelecidos. Há muito que me deixei de tais pretensões, e de acreditar nos que o fazem com uma desculpa altruista. Como dizia Henry Miller, um sábio esquecido, os verdadeiros pensadores não têm mais nada a dizer. Ou, como dizia Raul Seixas, outro sábio morto e esquecido "cheguei a um tal ponto de egoísmo que queria ajudar toda a gente".
Pois, já passei essa fase. Acho que com a idade me tornei simultaneamente mais tolerante e mais radical. Tolerante, porque consigo ver o ponto de vista dos outros, mesmo quando é um ponto de vista diametralmente oposto do meu. E radical porque não tenho pachorra para discutir nem o fundamental (a existência de Deus, ou se o fascismo foi pior do que o comunismo, por exemplo) nem o acessório (se a CML se devia demitir, se o Sócrates tem ou não diploma, outros exemplos). Quedo-me em frente dum quadro, oiço uma música e sinto-me vivo. Olho nos olhos da Amelie e sinto-me vivo. Oiço os meus filhos a chilrear e sinto-me vivo. O resto? Bem, o resto mal vale um blog, e não vale a pena gastar o latim com minudicências. Nada mudou, nada muda, e nada podemos mudar.
Mas agradam-me as novas tecnologias. Se soubesse, e estivesse devidamente equipado, faria um blog com mpegs, imagens belas e surrealistas disto e daquilo. Não sabendo, fico-me pela escrita. E não podendo partilhar o que me faz sentir vivo (cada um de nós tem o seu, saiba vive-lo) vou continuar a descarregar por aqui. Aos que cá vêem, obrigado pela pachorra. E não levem nada a sério, que não vale a pena.