Nas eleições para a Câmara Municipal, e pela primeira vez desde que há eleições em Portugal, não irei votar. Sempre votei em consideração pelo sangue, suor e lágrimas que tiveram de correr para que, finalmente, houvesse eleições neste país, e também porque acho que quem não vota não se pode queixar.
Alturas houve em que não gostava de nenhum dos candidatos (a maioria delas, para dizer a verdade) e tinha coisas muito mais interessantes para fazer, mas mesmo assim estes dois pensamentos sempre me levaram à escola mais próxima para depositar a minha escolha. Muitas vezes levei os meus filhos pequenos, perante os olhares de ternura dos outros cidadãos — há sempre o pensamento subjacente de que estamos a ensinar as crianças a cumprir o seu dever e que, de algum modo, votamos pelo futuro delas.
Votar é também validar o regime; não é por preguiça que a direita do antigamente nunca vota, com a justificação de que "é tudo a mesma cambada de vigaristas". São pessoas que não apreciam a democracia e não acreditam que o sistema possa resolver os nossos problemas. Mas a escolha de quem nos governa, por mais deprimentes que sejam os candidatos, permite pelo menos uma mudança de rostos, dá certos recados, e sempre muda alguma coisa - pode não melhorar as questões fundamentais, mas leva a pequenos ajustamentos.
Então, porque é que desta vez fico em casa ou vou à praia? Não acredito que nenhum dos candidatos vá resolver os problemas de Lisboa, de forma expedita e atempada. Não voto para protestar, não contra o sistema, mas contra os candidatos.
Para começar, há que ter em conta a demografia da cidade - e os pretendentes fizeram isso mesmo, ao começar as campanhas com visitas aos lares de terceira idade e ao enumerar um rol de promessas (vãs e inexequíveis) em prol dos velhinhos. A maioria da população residente no município tem mais de 60 anos. Há muita gente abaixo dos 60 na Grande Lisboa, mas não neste núcleo central que faz fronteira com Oeiras, Sintra, Amadora, Odivelas e Loures - os municípios para onde se mudaram os activos, atraídos pela habitação de má qualidade e pior gosto, sem estruturas de apoio e qualidade de vida, mas onde podem comprar a preços acessíveis - já que os preços no núcleo são proibitivos e não há mercado de arrendamento.
Esta seria a primeira mudança de fundo a fazer na cidade: torná-la competitiva em termos de habitação, mediante uma abundância de preços de compra possíveis e rendas baratas. Contudo, as políticas de habitação são nacionais, e portanto fora do alcance das câmaras. Seria preciso uma política governamental que favorecesse a reabilitação em vez da construção nova e, evidentemente, uma lei do arrendamento de mercado livre. No caso de Lisboa, não faz sentido que haja dezenas de milhares de fogos abandonados (40 mil, na última contagem), susceptíveis de ser reabilitados, modernizados e melhorados, e se continue a construir fogos novos, a custos altos e preços astronómicos. (Claro que faz sentido, na óptica da construção civil, pois o restauro exige mão de obra muito mais especializada e tem menores margens entre custo e lucro). Mas, precisamente no caso específico de Lisboa, a Câmara poderia contornar este problema de fundo, uma vez que é a maior proprietária urbana da cidade (e do país). Poderia, por exemplo, reabilitar ela os edifícios e colocá-los à venda, ou alugá-los por valores possíveis. (No caso de venda, o comprador obrigava-se a restaurar o imóvel e nele residir durante um mínimo de 10 anos.) Só não o faz por causa da pressão dos construtores civis, que veriam o seu negócio reduzir-se, ou pelo menos as margens de lucro diminuir substancialmente pela concorrência camarária. E não cremos que nenhum dos candidatos desta eleição tenha a competência, ou a capacidade, de contrariar a massa crítica da construção civil. São os empreiteiros que pagam as eleições, não esqueçamos.
Depois, há que pensar na qualidade da vida urbana. Esta questão está directamente relacionada com os transportes, os espaços verdes e os equipamentos urbanos. Se não houvesse congestionamento de carros e estacionamento selvagem, as pessoas poderiam usar os passeios e atravessar as ruas pacatamente; se os espaços verdes fossem bem pensados e melhor conservados, os tais velhinhos e as crianças poderiam passar o tempo agradavelmente. Quanto aos equipamentos urbanos, manteriam os munícipes ginasticados, divertidos e distraidos.
O trânsito não se resolve com estacionamentos subterrâneos. É impossível programar parques debaixo do chão suficientes para tantos carros. Aliás, os motoristas, sentindo-se completamente impunes, param os carros nas entradas dos estacionamentos, que permanecem quase vazios. Tem-se argumentado que as pessoas precisam de usar os carros porque os transportes colectivos são maus; mas não é exactamente assim. As pessoas usam os carros porque gostam de os usar e têm preguiça de andar de colectivo; e é a existência de carros demais que tornam os autocarros muito lentos (depois de terem liquidado os eléctricos). A solução a médio prazo seria criar a tão ansiada Autoridade Metropolitana dos Transportes para coordenar os colectivos da Grande Lisboa e construir "parques dissuasores" nas estações de comboio e de autocarros na periferia. A curto prazo, é preciso magoar: uma taxa de circulação para a entrada na cidade, como já há, com grande sucesso, em Londres e Estocolmo, e se está a pensar em Nova York; e uma fiscalização do estacionamento verdadeiramente eficiente, com reboques e bloqueamentos - coisa que aliás se paga largamente com as multas. Mas também para estas soluções não nos parece que nenhum dos candidatos esteja verdadeiramente inclinado
A qualidade de vida também tem a ver com o estado das ruas e a manutenção dos espaços verdes. No caso dos espaços verdes, bastaria a solução muito utilizada em inúmeras cidades: as empresas patrocinam a manutenção, a troco de publicidade no mobiliário de jardim. Se essa publicidade não for berrante, compensa.
Há outros problemas e outras soluções a considerar, mas este post já vai longo. Só mais um comentário, sobre as famosas empresas municipais. Apresentadas como uma solução moderna, empresarial, para os problemas da cidade, não são mais do que cabides de empregos que escapam ao controle de contas do aparelho municipal. Para quê ter empresas a fazer pior e mais caro o que os serviços da câmara deveriam fazer com eficiência e custos controlados? Porque a câmara não é eficiente? Então dever-se-ia dar esses serviços a particulares, com tarifas tabeladas que lhes controlassem a margem de lucro (rentável, mas honesta) e por a câmara a fazer o que faz melhor - fiscalizar. O encerramento das empresas municipais foi proposto por alguns candidatos, mas ninguém acredita que o venham a fazer; há demasiados interesses em jogo.
Finalmente, e noutra ordem de ideias, o problema do excesso de funcionários camarários. Toda a gente sabe que há milhares de empregados municipais que foram colocados na prateleira nas sucessivas mudanças do executivo e que estão em casa a receber o ordenado. Seria preciso despedi-los, pura e simplesmente. E aqui nem vale a pena entrar em considerações sobre quem se atreveria a fazer tal coisa...
Gostaria ainda de falar de cada um dos candidatos - não dos 12, que nem sei quem são, mas pelo menos dos principais contendores. Talvez ainda vá a tempo, se não for para a praia.