Lamento a morte de Eduardo Prado Coelho (EPC), como lastimo a morte de qualquer ser humano. OK, é um destino que nos calha a todos, mas não deixa de ser ultrajante. É como se indignou Nietzsche: “Como pode morrer alguém que tenha nascido?” Se mediáticos, os mortos são instantaneamente (e também momentaneamente…) beatificados, até pelas suas némesis de ontem. E quase sempre num tom pio e ditirâmbico. Uma impenitente minoria de um, me permitam destoar. Mesmo porque, se toda a gente pensa igual, é porque ninguém está a pensar. Como ensaísta e intelectual público, EPC queria gravar a proverbial frase no tronco da árvore: “Eu estive aqui” (os mortos desconhecidos não viveram nunca). Portanto, a obra e os compromissos dele devem ser avaliados. Era o que ele fazia, e exigiria que fizessem consigo, sem hagiografias ou genuflexões parolas. Posso estar enganado (há sempre uma primeira vez para tudo), mas a influência e a reputação de EPC lá fora eram ínfimas, se não nulas. Apostou num cavalo senil – a exangue cultura francesa actual. Foi o sismógrafo luso da moda letrada parisiense, precisamente numa altura em que esta se tornava catatónica – com os seus ilegíveis prémios Goncourt, e os seus totens crípticos e maneiristas como Derrida. Por outro lado, a própria ensaística de EPC espelha uma penúria franciscana de substância e originalidade, sem ponta por onde se lhe pegue. A nível interno, o efeito EPC foi pernicioso. Não inventou, mas robusteceu um circuito de compadrio cultural, quase de suserania e vassalagem. É assombroso o número de capelinhas num país tão pequeno como Portugal. A única obra delas é idolatrarem-se a si próprias e sabotarem-se reciprocamente. Sentei-me ao lado de EPC uma vez, num “selecto” jantar. Ao mesmo tempo ferino e melífluo, EPC passou uma parte do serão a polir com camurça o seu próprio ego (tão-pouco neste aspecto era um intelectual original). Embora eu seja um bicho-do-mato, pois considero que a tarefa de um homem de letras é ficar em casa a ler e a escrever, achava simpático o mundanismo de EPC. Assim como simpatizava com o que alguns ciciavam como a sua “sinuosidade” – falava-se até em “cata-vento”. São os mesmos tontinhos que sempre louvaram a “coerência” de Álvaro Cunhal. Raios, que mérito há em ter sido intransigentemente estalinista a vida toda? Nesse ponto, mais humano e edonista que conceptual e literário, EPC fará falta. |