Terça-feira, 4 de Setembro de 2007

R.I.P

O falecimento de Eduardo Prado Coelho, uma força na cultura nacional (o que quer que "força" e "cultura" queiram dizer) provocou uma agitação pouco vista nestas praias (excepto para as coisas do futebol), com um enterro que bem poderia encher as páginas da Caras. Muito se escreveu nestes dias sobre a lamentosa efeméride mas, para mim, o melhor texto foi o do meu amigo Paulo Nogueira publicado (estranhamente) no Correio da Manhã. Certamente que à maioria dos leitores do CM esta crónica terá passado despercebida, ou será mesmo incompreensível. Assim, com autorização do Paulo, aqui reproduzo uma opinião que bem gostaria de ter sido eu a escrever, mas que com certeza não o teria feito tão bem.





Lamento a morte de Eduardo Prado Coelho (EPC), como lastimo a morte de qualquer ser humano. OK, é um destino que nos calha a todos, mas não deixa de ser ultrajante. É como se indignou Nietzsche: “Como pode morrer alguém que tenha nascido?” Se mediáticos, os mortos são instantaneamente (e também momentaneamente…) beatificados, até pelas suas némesis de ontem. E quase sempre num tom pio e ditirâmbico. Uma impenitente minoria de um, me permitam  destoar. Mesmo porque, se toda a gente pensa igual, é porque ninguém está a pensar. Como ensaísta e intelectual público, EPC queria gravar a proverbial frase no tronco da árvore: “Eu estive aqui” (os mortos desconhecidos não viveram nunca). Portanto, a obra e os compromissos dele devem ser avaliados. Era o que ele fazia, e exigiria que fizessem consigo, sem hagiografias ou genuflexões parolas.
Posso estar enganado (há sempre uma primeira vez para tudo), mas a influência e a reputação de EPC lá fora eram ínfimas, se não nulas. Apostou num cavalo senil – a exangue cultura francesa actual. Foi o sismógrafo luso da moda letrada parisiense, precisamente numa altura em que esta se tornava catatónica – com os seus ilegíveis prémios Goncourt, e
os seus totens crípticos e maneiristas como Derrida. Por outro lado, a própria ensaística de EPC espelha uma penúria franciscana de substância e originalidade, sem ponta por onde se lhe pegue. A nível interno, o efeito EPC foi pernicioso. Não inventou, mas robusteceu um circuito de compadrio cultural, quase de suserania e vassalagem. É assombroso o número de capelinhas num país tão pequeno como Portugal. A única obra delas é idolatrarem-se a si próprias e sabotarem-se reciprocamente.
Sentei-me ao lado de EPC uma vez, num “selecto” jantar. Ao mesmo tempo ferino e melífluo, EPC passou uma parte do serão a polir com camurça o seu próprio ego (tão-pouco neste aspecto era um intelectual original). Embora eu seja um bicho-do-mato, pois considero que a tarefa de um homem de letras é ficar em casa a ler e a escrever, achava simpático o mundanismo de EPC. Assim como simpatizava com o que alguns ciciavam como a sua “sinuosidade” – falava-se até em “cata-vento”. São os mesmos tontinhos que sempre louvaram a “coerência” de Álvaro Cunhal. Raios, que mérito há em ter sido intransigentemente estalinista a vida toda? Nesse ponto, mais humano e edonista que conceptual e literário, EPC fará falta.





Paulo Nogueira






publicado por Perplexo às 16:49
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