Uma fábula contemporânea (melhor dito: instantânea), inspirada no “Feiticeiro de Oz”, ofilme de 1939 que lançou Judy Garland, ainda miúda.
Depois da morte do Grande Feiticeiro, vítima de um desastre alado que nunca se soube se foia cidente ou eficiência, muitas eleições houve na Terra de Oz. Produziram líderes de alguma competência (uns mais, outros menos, é bom que se diga), até que chegou uma situação em que era preciso eleger um novo feiticeiro. Dorothy disse logo que se candidatava: já não era a menina de sapatos vermelhos (tornara-se uma senhora de botinas castanhas) e tinha ideias precisas para resolver a crise. Mas o Espantalho e o Homem de Lata também achavam que podiam fazer alguma coisa por OZ (e por eles próprios, já agora). Só o Leão, que tinha arranjado uma situação do camandro em Bruxelas, não estava interessado em dirigir os destinos dos Munchkins.
Simulados e intriguistas, resolvem almoçar os três no Eleven, com se continuassem íntimos. Para tirar nabos da púcara, provavelmente. Para se agredirem com lenços de renda, isso com certeza. (Escolheram o Eleven porque é onde os advogados mais façanhudos da terra de Oz fecham acordos exorbitantes.)
—Então Dorothy, que ideia foi esta? — diz o Espantalho que, como sabemos, anda à produra de um cérebro. — Uma gaja velha e chata como tu, sem nenhum sex-appeal, só vai assustar as pessoas.
—Tambem não iria tão longe, — retruca o Homem de Lata, o tal que anda à procurade um coração. — Tem um ar azedo, é verdade; é o tipo de mulher que não atrai o eleitorado; mas não lhe faltam ideias.
— Ideias? — O Espantalho fica perplexo. — Ideias para quê? Nunca as tive, e não lhes dei pela falta. — Olha de soslaio para Dorothy, ordinarão: — Também, uma gaja com esta pinta, só se for pelas ideias. Chiça!
—Pois eu fui buscar muitas ideias à Dorothy. Aliás, fui buscar a ela e a toda agente que pude. — retruca o Homem de Lata. — Quem não tem sentimentos, não consegue avaliar o que é bom e mau, é melhor aderir a tudo.
Dorothy franze o sobrolho e depois faz um esgar que poderia, talvez, ser interpretado como um sorriso:
—Vocês aí a grasnar, meus bonecos, não percebem nada disto. Aqui a Dorothy é que conhece os dossiers, sabe os números de cor, fez as contas.
—Ai, mas que chata que tu me saíste! — retruca o Espantalho. Diz-me lá: quando é que foi a última vez que foste dançar à noite? Ou a uma jantarada com os amigos?
—E tu Espantalho, quando foi a última vez que leste um livro? Ou pelo menos um despacho de duas páginas? Pois fica a saber, aqui a Dorothy está a afiar os dentes. Já mandei a modista fazer uns modelinhos mais exuberantes. E pedi à cabeleireira lá do bairro que me desse um jeito no cabelo. Posso não ficar nenhuma Catarina Furtado, mas engato-os pelo susto: agito a perspectiva de serem dirigidos outra vez por ti. No pouco tempo que tomaste conta da Cidade Esmeralda, e depois da Terra de Oz, só fizeste disparates.
—Ó Dorothy, Dorothy! — diz o Homem de Lata — assustar o eleitorado é uma péssima ideia. Eu, cá por mim, vou seduzi-los com a minha banalidade. Tenho uma carreira by de book, nunca mijei fora do penico, faço tudo dentro das regras. Não vou falar contra ti, nem contra o Espantalho, nem contra ninguém. Também não falarei a favor. Antes pelo contrário.
—Pois eu — afirma o Espantalho — é que os sei seduzir. Com o passar dos anos, a Dorothy parece-se cada vez mais com a Bruxa Malvada do Oeste. O Homem de Lata não tem um coração sangrante que possa segurar nas mãos. Eu, com as minhas palhas a ficar grisalhas, queixo-me da minha má sorte, das traições que sofri na pele e das injustiças. Ficam todos com uma lágrima ao canto do olho, coitadinho do Espantalho. É tiro e queda, vocês vão ver!
—Pelo menos sou humana, como se anda a dizer por aí. — Dorothy encolhe os ombros, amuada. — Não um boneco, como vocês. Posso parecer agreste, mas isso até me coloca mais próxima do povo de Oz, sempre amuado.
—Mas diz-me lá — atira o Espantalho, imparável — desde quando é que ser humano constitui uma vantagem competitiva?
Dividiram a estrambólica conta do restaurante, mas não acertaram numa divisão do poder.
É assim, na terra de Oz.