Finalmente, ao fim de anos de apresentações ridículas e escolhas surrealistas indigentes, o canal 2 lá se sai com um programa cultural bem feito e informativo — talvez um pouco pedante, mas isso é inevitável nas demonstrações dos intelectuais, aqui ou na China.
Já devia ter falado na “Câmara Clara” há mais tempo, mas entretanto a “situação”, a “crise”, e o noticiário avassalador (para não falar nos estados de alma”) têm-me mantido a cabecinha numa roda viva.
Então, a Câmara Clara.
Clara é a Paula Moura Pinheiro, pois claro, com aquele cabelo brilhante preto, olhos ora lânguidos ora sibilinos e um critério quanto aos convidados que é sempre interessante. Para não falar numa agenda bastante completa, listas de livros que valem a pena e uma actualidade dos temas sempre atenta ao que acontece.
Desda vez o programa era sobre o Modernismo, a propósito de uma série de eventos relacionados com Fernando Pessoa. Os convidados eram Rui-Mário Gonçalves, crítico hoje-em-dia institucional, e Fernando Cabral Martins, especialista na matéria. (Acabou de lançar “O Modernismo em Mário de Sá Carneiro” e vai publicar um “Dicionário de Pessoa e do Modernismo”.)
Fiquei a saber muita coisa que não sabia, sobretudo no campo da trívia modernista.
Mas também tomei conhecimento de uma notícia inquietante: o espólio de Fernando Pessoa que ainda estava com a família vai a leilão no próximo dia 13 de Novembro. Não é muita coisa, se compararmos com o que já está na posse do Estado (e portanto de todos nós) mas tem o famoso dossier Allistair Crowley, publicações com dedicatórias, fotos e outra memorabília interessante. A questão que se põe, já estão a ver, é se o espólio vai ficar connosco ou viajará para outro país, ou ainda se se dispersa ou não (está dividido em lotes). Dado o interesse universal em Fernando Pessoa (o “Livro do Desassossego já tem três edições na China, fiquei também a saber) espera-se que as licitações subam a valores “inéditos em Portugal”. O Estado tem direito de preferência — mas o Estado não se pronunciou. Este suspense pode ser para fazer um favor aos herdeiros (se o Estado optasse, o valor não seria tão alto como no leilão), ou pode ser porque o Ministro ainda não conseguiu convencer o Primeiro de que vale a pena gastar este dinheirinho. Aguardamos ansiosamente. E entretanto lá vamos vivendo no Desassossego — do Pessoa e de toda a gente.