O Diário de Notícias, o mais antigo jornal diário em circulação, acaba de relançar a sua versão electrónica.
Poucos dias antes, uma tal “jornalista Dina” fez acusações desagradáveis a um ministro do Governo português no seu blogue particular, Escola de Lavores, e o ministro respondeu-lhe directamente, no mesmo blogue e ao mesmo nível.
Quanto ao Diário de Notícas, não é o primeiro jornal a igualar a sua prestação electrónica com a escrita (muitos dirão que já vem atrasado); o Expresso há muito que tem o seu site, de grande sucesso na diáspora. Haverá outros, de que não nos lembramos agora.
Por outro lado, o Público ainda não se pode dizer que tenha levado a Internet completamente a sério. Basta comparar a inovação gráfica e o empenho da edição em papel com o arcaismo e desleixo da electrónica. Mas a mudança é só uma questão de tempo.
E o próximo diário a ser lançado, o i, já será mais electrónico do que papelístico. Em vez do jornalista de gravador e bloco de notas e do fotografo com a Canon ao pescoço, o i vai à luta com “equipas multimedia” ataviadas com camcorders e computadores, que poderão mandar para o ar som, texto e imagem directamente da rua, em directo.
O fait-divers do blogue, além da saborosa leitura dos comentários e contra-comentários ao suposto deslize de Rui Pereira (cheios de cor local, nós diríamos) mostra a importância dada ao gossip dos bloques nas instâncias mais altas (e sem noção do ridículo...). Uma pesquisa rápida revela que a autora é Dina Soares, jornalista da Rádio Renascença, que não vê necessidade de sair do anonimato para se sair com as queixinhas. Não interessa o ridículo do caso, mas o facto do caso ser possível.
O jornalismo electrónico está rapidamente a assumir a preponderância que os teóricos já previam há anos.
O que levanta algumas questões.
Uma questão é se tem qualidade para substituir o jornalismo tradicional. A informação/opinião electrónica, com uma tradicional falta de confiabilidade, terá de melhorar substancialmente para ser credível. Uma coisa é oferecer opiniões divertidas e estórias saborosas, outra é informar com os devidos cuidados jornalísticos (duas fontes, contraditório, pesquisa, etc.)
Poder-se-ia dizer que o jornalismo tradicional, e mesmo o televisivo (que já se pode considerar tradicional, se bem que noutra tradição, já abastardada em relação ao escrito) também não apresenta grande independência dos interesses e grande confiabilidade. Contudo há uma diferença substancial entre o trabalho feito nos meios tradicionais e a boataria e o surrealismo que se vê nos blogues, ou mesmo as elações discutíveis e a superciliadade de muitos sites.
Paradoxalmente, a televisão — que se pensou que acabaria com a imprensa escrita e a a rádio, e que afinal não se revelou tão mortífera — parece não estar a sofrer com esta mudança. A televisão integrar-se-á seamlessly (sem costuras aparentes) com a internetosfera, uma vez que os computadores e os televisores estão cada vez mais próximos e eventualmente acabarão por ser fundir. Já podemos imaginar, sem entrar muito na ficção científica, um aparelhómetro portátil, talvez um ecrã flexível sem protuberâncias aparentes, onde cada um interage livremente — escolhendo o que quer ver, cinema, noticário, programas de auditório, e escrevendo e gravando som e imagem à vontade, além de evidentemente, comunicar com toda a gente através de fonia, imagem, texto e códigos de cores.
Outra questão é se o jornalismo consegue meios de subsistência — um “modelo de negócio” viável. Não os tendo, fica ainda mais sujeito do que o tradicional a “adaptar-se” aos interesses politicos económicos.
Uma vez que a mudança é inegável e, ao que parece, inexorável, não vale a pena estar agora aqui a chorar em cima do leite derramado e por as culpas nisto ou naquilo (sendo isto a internet e aquilo o modelo económico). O que é preciso é encontrar uma fórmula de aumentar a independência e a credibilidade da internetosfera (sites + blogues).
A mudança de meios pressupõe uma mudança de fontes e produtores; a partir do momento em que a informação pode ir directamente do produtor ao consumidor, sem passar por profissionais, estes tornam-se redundantes. Este fenómeno está a ocorrer agora mesmo com a Administração Obama, que contacta directamente com os cidadãos através da internet (sites, blogs e redes sociais) passando por cima da equipa de jornalistas tradicionais que vive, literalmente, nas caves da Casa Branca à cata do furo. A vantagem para o produtor é dizer o que quer, sem ter de passar pelo filtro ideológico e validatório da comunicação social.
Gostaríamos de ter conclusões insofismáveis para apresentar, propostas concretas para fazer; mas não temos. Nem fazemos. Apenas constatamos como é. E assistimos, com uma imensa curiosidade, ao desenrolar do que virá a ser.
A informação livre trazida pela electrónica, tão desejada pode acabar por ser vítima de si própria e morrer às mãos da confusão que está a criar.