Não tenho escrito porque nada de novo tenho a declarar sobre os muitos acontecimentos do noticiário. Quer dizer, opiniões tenho, e até muitas, mas nenhuma delas é diferente das outras muitas que se têm lido por aí. Sempre pensei que este blogue não era para fazer saber o que eu penso sobre as coisas, mas para acrescentar alguma mais valia à discussão. Ou seja, não tendo um ângulo diferente ou uma nova opinião, não vale a pena estar a encher espaço com mais do mesmo.
Entretanto, também acompanho o que se passa no mundo, e o mundo anda um bocado afastado dos noticiários e da opinião pública, em parte porque a política nacional está a absorver todas as atenções (e o futebol, claro; mas isso é sempre). Fala-se por alto e en passant das coisas mais impressionantes — a luta de Obama para haver um SNS nos Estados Unidos, a situação cada vez mais perdida no Afganistão, e casos pontuais.
Mas, neste mundo em mudança, não param de acontecer coisas impressionantes e, possivelmente, com repercussões dramáticas.
Por exemplo, a polémica dos da venda de órgãos por soldados israelitas. Saiu no jornal dinamarquês Aftonbladet que as tropas das forças do IDF (as iniciais como é conhecido o exército de Tel-Aviv) tinham por hábito matar indiscriminadamente palestinianos para lhes tirar e vender orgãos.
Os israelitas exigem que o Governo dinamarquês peça desculpas e repudie publicamente o artigo. Os dinamarqueses dizem que a liberdade de imprensa do país deles é intocável e não responsabiliza o Governo.
É interessante que os israelitas não se incomodaram a provar que o artigo não diz a verdade, limitando-se a desmentidos formais.
Na sequência desta disputa, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Dinamarca (que está a presidir à União Europeia) cancelou
sine die uma visita que ia fazer a Israel.
Entretanto já veio um senador americano meter-se ao barulho, a dizer que a liberdade de imprensa tem limites, e que um deles é o anti-semitismo.
Leio isto tudo perplexo.
É evidente que a imprensa dinamarquesa pode publicar o que quiser e o governo não tem de pedir desculpas a ninguém por isso.
É estranho que os israelitas não apresentem provas concretas de que a história não é verdadeira. Talvez seja. É sabido que os israelitas são os maiores utilizadores de orgãos comprados aos miseráveis da Bósnia, Roménia, etc. As operações trocas e operações em Instambul. Isso está documentado e ninguém contestou (nem fez nada para impedir).
É significativo que o Israel, que é uma democracia e tem uma imprensa livre, faça uma interpretação tão grosseira e errada dos deveres e possibilidades do Governo dinamarquês.
É lamentável que não se possa dizer nada menos abonatório sobre Israel sem que se acene com a bandeira do anti-semitismo. Eles são justos, impecáveis, cheios de compaixão e vítimas do ódio incompreensível dos árabes, que insistem em querer matá-los todos sem razão aparente. Tudo o que se disser que saia fora disto, ou embacie um pouco a imagem, é anti-semitismo.
Dentro da mesma questão mas na barricada oposta, continuam a surgir relatos, sobretudo na Grã Bretanha e na Holanda, da crescente cedência dos poderes constituídos às exigências religiosas dos muçulmanos que vivem nesses países. Aparentemente só a França não está disposta a torcer a liberdade para acomodar os extremistas (se bem que a história do véu nas escolas me parecesse um exagero). A última que soube é que há tribunais na Holanda que levam em conta a Sharia quando julgam muçulmanos. Seria mais ou menos o mesmo se os tribunais levassem em conta a Inquisição quando julgam cristãos romanos. Já tivemos disso e sabemos como é.
Parece evidente os imigrantes têm de e acomodar aos costumes do país hospedeiro. Imigraram voluntariamente, sabendo o que os esperava. Se os incomodava tanto, fossem para outro país. Ou podem utilizar os meios democráticos para tentar mudar esses costumes.
A Europa está numa situação cada vez mais crítica, completamente dependente de países difíceis ou potencialmente inimigos para o abastecimento de energia, sem umas forças armadas que se vejam, com uma baixa taxa de natalidade, a ceder em questões fundamentais pelas quais derramou muito sangue, etc. etc.
Estas são as bandeiras da extrema-direita, mas onde a extrema-direita está errada é nas soluções que apresenta. Porque os problemas existem, e não é inorando-os que eles se vão embora.
Nós aqui, preocupados com a nossa própria miséria, não ligamos muito ao que se passa lá fora. Mas o que se passa lá fora é que irá determinar o nosso futuro.
Isto não é perplexante, é assustador.