A partir tarde de domingo o twitter, depois os blogues, e finalmente os noticiários não falaram de outra coisa se não o passamento hardcore de Carlos Castro, numa cena de romance policial. Talvez por causa desse clima de thriller: o hotel em Nova York, o homem assassinado com objecto contundente e depois castrado, quiçá num ritual macabro qualquer que porventura incluía sexo, drogas e rock’n’roll. Todos os ingredientes para alguma excitação mediática. Carlos Castro era um tipo especial de jornalista, que se dedicava a mexericar e futricar num pequeno mundo que se acha o mundo todo. Fora as fãs das revistas sociais e esse universo umbiguista e vão, provavelmente ninguém saberia quem ele é. Dos que o conheciam por razões profissionais havia quem o achasse um senhor finíssimo e deferente para com as figuras mediáticas que ele ajudava a mediatizar, havia quem o detestasse, e finalmente a maioria que se estava nas tintas para aquele género.
Morreu mal, coitado, e isso ninguém deseja a ninguém, mas fora essa morte de série policial e uma carreira muito especializada, nada justifica a cobertura que entretanto se instalou na comunicação social. Em todos os alinhamentos dos canais havia novas entradas sobre o caso ou, não havendo, repetiam-se as antigas até à exaustão.
Finalmente, segunda-feira, a escolha de Mourinho como melhor treinador do mundo entrou pela programação adentro e tudo o mais ficou para trás, até as questões da dívida externa e as bocas dos candidatos presidenciais.
Mourinho é uma pessoa de quem nos podemos orgulhar, numa sociedade em que o orgulho anda pelas ruas da amargura. (Não faltará quem diga que a vitória de Mourinho é mais uma manobra de Sócrates para nos fazer esquecer as desgraças, os escândalos e a chafurdice em geral.)
Enquanto tudo isto aconteceu, morreu Vítor Alves.
Vítor quem? Ah sim, um daqueles tipos de Abril... Comunista? Ah não, era dos outros? Pois coitado, toca a todos.
Na televisão passou uma curta peça em dois noticiários, um deles sem imagens. No twitter nem uma referência. Nos blogues ainda não vimos nada, mas é impensável que certos blogues da linha “25 de Abril Sempre” não falem do assunto. Elogios bombásticos, porém discretos.
Agora, vamos lá ver: o que é um Herói Nacional? Um HN é um tipo que arrisca a vida, com grande coragem, para o bem do país, sem pensar nem esperar uma posterior compensação. Hoje em dia já não se fabricam HN porque não temos guerras – um bom campo de criação de heróis — nem opressão contra a qual lutar nem, na generalidade, propensão para sermos heróis ou andar à procura deles.
Mas Vítor Alves era um herói. Foi um daqueles tipos que arriscaram a pele – literalmente – para que este país desse um passo em frente e entrasse na contemporaneidade. Que saibamos, não se tornou depois uma vítima inconformada ou um arrogante armado ao pingarelho. Viveu o seu estatuto de herói com elegância e sem espalhafato.
Mas no fim teve dois azares. A malasuerte de chegar ao fim, e a injustiça de fazê-lo na mesma altura em que duas figuras magnas do universo luso tiveram os seus momentos de glória.
Cinicamente, poderíamos dizer que foi o sucesso da Revolução do Vítor Alves que permitiu a indiferença aos verdadeiros heróis que temos agora, porque já não precisamos deles.
Ou estamos desesperadamente, aflitivamente, a precisar?