Merckel no pódio, no Parlamento alemão. Não no Parlamento Europeu, ou em alguma situação relativa às instituições europeias. Não. Na assembleia legislativa dos alemães, onde se trata de assuntos que à Alemanha dizem respeito.
“Não chega Portugal indicar-nos quais as suas metas. Não chega que nos diga que vai atingir 4,3% de défice em 2011, 3% em 2012 e assim por diante. Portugal precisa de nos dizer como é que vai atingir esses valores. Precisamos de saber quais as medidas concretas.”
(Estou a citar de cor, podem não ser estas as palavras à letra. Mas o sentido e o tom são exactos).
É ao que chegamos. Os nossos números, os compromissos que temos de assumir, têm de ser aprovados pelo parlamento alemão.
No mundo oficial, do Governo, do PS, e agora do PSD, age-se como se se falasse de igual para igual com a Sra. Merkel. Mantém-se a ficção da igualdade entre estados.
No mundo da comunicação social critica-se os políticos por baixarem as calças ao poderio germânico. Os comentadores falam da vergonha da perda de soberania, do estado a que Sócrates reduziu o país – uma injustiça, pois a redução do país é muito anterior a Sócrates.
No mundo dos blogues, redes sociais e comentários às notícias, a ralé dá vazão ao seu ódio pela Merckel, quem é essa cabra que acha que manda nos outros, nazi, etc. Também se sugere, ingenuamente, que não paguemos o que devemos. Que se lixem os credores, esses bandidos gananciosos.
Mas não é nada disso.
Por mais que os políticos queiram parecer igualitários com a Sr. Merckel, salta à vista que não são. Ela manda chamar ou, quando não manda, Passos Coelho vai por iniciativa própria apresentar-se.
A comunicação social não leva em conta a prática da real politik. Não há cá vergonhas, é preciso é que a Alemanha nos ampare. Se isso implica ter relações com uma mulher desagradável, do mal o menos.
E ainda tem mais pequena razão a blogoesfera e os comentaristas anónimos de maus fígados.
A senhora Merckel não é nenhuma cabra.
Nós é que nos colocamos a jeito. Nós é que gastamos mais do que devíamos – as famílias, as empresas, o Estado. Desde que o dinheiro da Europa começou a entrar que o temos vindo a desperdiçar alegremente, sem produzir adequadamente. Não estamos endividados para lá do possível porque a senhora Merckel é nazi; estamos porque nos endividamos sozinhos, sem que fosse preciso empurrarem-nos.
E não há hipótese de não pagarmos. Continuamos a precisar de dinheiro, se não pagarmos ficamos sem crédito e morremos de fome. Tão simples quanto isso.
É fácil arranjar culpados para as nossas malfeitorias.
Difícil é pagar as dívidas. E ver aquela mulher pequenina e desagradável naquele pódio a ditar o que temos de fazer.