O Expresso deste sábado publicou um “novo” Estatuto Editorial. E coloco “novo” entre aspas porque não tem nenhuma novidade – antes pelo contrário é um conjunto de dez lugares comuns jornalísticos que se pensaria que regem qualquer publicação que se pretenda isenta.
A única dúvida que levanta é como é que seria o “antigo” Estatuto Editorial, agora substituído. Seria pouco claro quanto à liberdade e isenção que este afirma tão singelamente?
Mas só o facto de o Expresso publicar – ou republicar com novo texto – um estatuto genérico levantou imediatamente alguns sobrolhos... Não há como não ter assunto para procurar assunto onde ele não existe.
Os dois pontos que parece que assustaram alguns colegas são o 7 e o 8. O 7 reza que “em casos muito excepcionais, há notícias que mereciam ser publicadas em lugar de destaque, mas que não devem ser referidas (...) porque a sua divulgação seria eventualmente nociva ao interesse nacional.” Evidentemente que isto lembra logo o “interesse nacional” invocado pelo Estado Novo para censurar praticamente tudo o que não lhe dava jeito, e remete a situações mais recentes em que o Primeiro Ministro acusava os detractores de estarem a lesar o interesse nacional com os ataques constantes à sua idoneidade.
Quanto ao 8, expressa que “a publicação insistente de determinados assuntos - do crime e do sexo às baixezas da vida política e económica - poderia aumentar a venda de exemplares, mas recusa-se a alimentar qualquer tipo de sensacionalismo que ponha em perigo o jornalismo de qualidade que sempre pretendeu fazer.”
Neste caso a construção da frase deveria ser a coisa mais assustadora, mas o que pôs os cabelos em pé foi a história da “publicação insistente”. O Expresso fez precisamente isso, em relação, por exemplo, ao caso Freeport, e o que parece é que agora está a dizer que não o fará mais; a partir deste sábado o jornal não dedicará mais do peças distanciadas umas das outras sobre baixezas da vida politica e económica, mesmo que estas sejam recorrentes e persistentes.
Ora bem, não achamos que haja razão para preocupações.
Por um lado, o Estatuto em nada difere de todos os estatutos que já vimos, novos, velhos e muito antigos. É uma declaração de princípios que, como tantas declarações de princípios, pode ser usada mais ou menos restritivamente, conforme quem a use.
Por outro, é inevitável que haja sempre uma forma de escolha selectiva por parte dos meios de comunicação social – a aceitação de certas notícias e a recusa de outras, o destaque que se lhes dá, tudo isso são formas de censura.
Não me esqueço de uma vez em que estava o Adelino Gomes no antigo Rádio Clube Português com um molho de faxes à frente, a fazer o noticiário das nove e disse-me, com um ar infeliz:
“É inevitável censurar uma data de notícias; não tenho tempo para as ler todas”.
“Mas isso não é censura; é critério de publicação”, respondi-lhe, preocupado com a preocupação dele.
“Mas o critério envolve as minhas opções ideológicas e, até, corriqueiras. Não deixa de ser uma forma de censura.”
Pois, não deixa não senhor. Mas se se publicasse tudo, ninguém lia nada. Há que confiar no critério de quem escolhe. Porque alguém tem de escolher.
Claro, sempre podemos subscrever as tenebrosas teorias da conspiração que dizem que a comunicação social está ao serviço de interesses sinistros.
Quem se quer preocupar, arranja sempre maneira...