Lembro-me de ver nas revistas britânicas um anúncio para funcionário público; o que se pode dizer que atraia para tal profissão? Não se pode puxar para o lado emocionante, evidentemente... Então o anúncio dizia que era uma carreira segura (em relação a despedimentos), previsível, com reforma ao fim de tantos anos, etc. Ou seja: uma carreira sem surpresas até a pessoa morrer de velha. Para muitas pessoas será atractivo; para outras será a coisa mais chata que se possa imaginar, ter uma vida em que os horários, as promoções, as férias e a carga de trabalho podem ser previstos com trinta anos de antecedência.
É este tipo de sentimento que António José Seguro transmite, precisamente: nada de surpresas. Conduzirá o PS sem sobressaltos ou imprevistos, dentro do programado – exactamente como a carreira dele foi planeada ao milímetro. O que Seguro dirá e fará dentro de trinta anos é exactamente o mesmo que diz e faz agora, e que foi programado há trinta anos. O corte de cabelo, a postura, a expressão, tudo nos promete uma vida política sem sobressaltos.
Será isso que queremos na política? Imagino que para a maioria das pessoas sim, será. Nada de impostos imprevistos, orçamentos surpreendentes, programas inesperados. Os boys nos jobs, as taxas e os impostos de pedra e cal, os favores e os compadrios intocáveis. Qualquer sistema, por pior que seja, é melhor do que uma mudança de sistema, que traz desajustamentos, sobressaltos. A não ser que mudanças malvadas no mundo piorem a situação.
Para nós, é exactamente o oposto do que deve ser a vida e, por inclusão, a politica. É a ausência de imaginação e de magia, dois valores indispensáveis.
Seguro é o tipo de homem que quando sai pela primeira vez com uma miúda lhe conta em pormenor a sua doença hepática, ou o que faz nas horas de expediente, ou como se coleccionam selos. O discurso da vitória nas eleições do PS, escrito (e escrito há anos, apostamos) é uma lista dos lugares comuns que se devem dizer na ocasião, sem dizer nada de concreto. Não tem uma palavra de ousadia, um pensamento imprevisível, uma proposta inédita. Tem tudo o que precisa de ter – agradecimentos aos que o apoiaram, pedidos de apoio aos que se lhe opuseram, promessas de fazer uma oposição “responsável e consciente”, e todos os demais chavões. Escrito, porque nem mesmo esta lista de clichés há muito decorados ele se atreveu a dizer de improviso.
Passos Coelho também não tem carisma, mas é simpático, cordial, sorri muito, o tom de voz indica uma certa hesitação e perplexidade. Um gajo porreiro, disposto a arriscar outras fórmulas. Alguma emoção na governação. Seguro não tem carisma, ponto. Não consegue sorrir, nem olhar para o lado, nem titubear. São tudo formulários e fórmulas a que não se pode fugir. Já disse que não quer mudar nada numa Constituição que nitidamente precisa de mudanças.
Com estes dois a discutir, as tardes parlamentares serão completamente soporíferas.
E é interessante que Seguro seja exactamente o oposto do seu ídolo, José Sócrates. Sócrates era abrasivo, antipático, arrogante, sempre pronto para uma resposta torta. Mas Sócrates tinha carisma – e como. Tanto carisma que mesmo sendo abrasivo, antipático, etc. conseguiu ser eleito duas vezes. Aos debates com ele o que não faltava era animação, insultos, ameaças, apartes.
Seguro tem o charme de um contabilista a rever a declaração de IRS. Provoca a mesma excitação que ver um filme do Manoel de Oliveira. Um entusiasmo igual ao de uma missa solene celebrada pelo Arcebispo de Mitilene.
Vamos adormecer a ouvir a oposição, nestes anos em que de qualquer maneira está condenada a ser oposição. Daqui a oito anos surgirá então o líder do PS capaz de fazer esquecer as roubalheiras e as trapalhadas dos socialistas, altura em que estaremos também fartos das roubalheiras e das trabalhadas dos sociais-democratas.
Com Seguro não teremos apenas má politica; também teremos politica sem interesse nenhum. Um futuro promissor!