No sábado, os Indignados tiveram os seus dez minutos de glória frente às câmaras. Em Lisboa, Porto e outras cidades portuguesas, e em mais 80 cidades da civilização ocidental.
Em Portugal nem as manifestações foram grandes, nem os seus slogans marcaram. Houve até duas confusões, gloriosamente ampliadas e consagradas pela comunicação social.
A primeira: que as manifestações em Portugal eram de solidariedade com o movimento mundial da Indignação, começado em Wall Street há duas semanas. As televisões se encarregaram de mostrar o que estava a acontecer noutras cidades, especialmente naquelas onde houve pancadaria forte, Londres e Roma. O verdadeiro motivo das nossas, que era a indignação com o que se passa connosco, ficou diluído.
Quem ganhou com esta situação: o Governo em particular e o sistema politico português em geral. O Governo e o Regime, por um lado são mesmo democráticos, deixam as pessoas ventilar a sua “justa indignação”, e por outro não se sentem minimamente ameaçados com esta indignação.
A segunda: que a breve cena de empurrões que ocorreu nas escadarias da AR foi porque a polícia queria socorrer um manifestante que desmaiara. “Um mal entendido”, disse o porta voz da polícia. Apesar da cena ter passado em directo nas tvs, ninguém contestou. Mais um ponto para o Governo, que não ficou com o ónus de ter reprimido pacíficos manifestantes.
Outra situação favorece o Governo: a maioria dos manifestantes, pelo menos os que apareciam nas câmaras, eram jovens estudantes, okupas e anarcas, vociferantes como os jovens devem ser. Não se viram as famílias com carrinhos de bebé e os pacatos cidadãos de meia idade que em Março tinham enchido os logradouros da Liberdade, em Lisboa e Porto. Portanto não estava lá uma verdadeira representação da classe média trabalhadora e micro-empresária que está a ser completamente esmagada pelas opções do Governo. Ainda não é a revolta tão temida e dada como certa pelos poderes constituídos.
Os verdadeiros atingidos pela desgraça que nos está a cair em cima não se manifestaram; as verdadeiras razões porque se deveriam manifestar não ficaram claras. É que não é apenas o empobrecimento da classe média e o fim do Estado Social que precisa de ser recusado; o que tem de ser denunciado é esse empobrecimento paralelamente à manutenção de todas as gorduras do Estado (institutos públicos, fundações, empresas estatais, etc.) e à ausência de punição para os que roubaram, ou foram incompetentes, e nos deixaram neste estado. Os incompetentes não serão indiciados, os corruptos continuam à solta. O sistema judicial foi montado cirurgicamente para que nenhum destes prevaricadores possa ser condenado, muitas vezes sequer indiciado. Ou as leis não o permitem, ou as normas processuais o tornam inoperante, ou os magistrados não se atrevem.
Enquanto uma multidão esfomeada e enfurecida não for bater à porta destas pessoas, conhecidas de toda a gente, o que se passa em Portugal é apenas folclore político, inofensivo e incapaz de mudar o paradigma. Mas talvez isso nunca venha a acontecer.
Os costumes, é sabido, são brandos.