António Costa disse-o com as palavras suficientes na Quadratura do Círculo, mas outros comentaristas também já deram pela incongruência: Berlusconi, um primeiro ministro eleito democraticamente, não caiu por ter perdido a confiança dos eleitores mas porque os juros da dívida pública italiana passaram os sete por cento de juros no mercado internacional. Foi também a expectativa de insolubilidade que derrubou a primeiro ministro da Irlanda, David Trimble, em Maio de 2007. Os mercados derrubaram José Sócrates em Junho deste ano e Papandreou a semana passada.
Claro que se pode fazer um histórico político muito mais complicado de todas estas demissões, cada uma delas com características específicas; mas o denominador comum é o facto de governos eleitos pelos eleitores serem derrubados pelos mercados.
Os mercados não constituem uma entidade, nem os técnicos que os dirigem estão unidos para agir concertadamente; antes pelo contrário, os vários protagonistas (muitas centenas, talvez poucos milhares) competem entre si, a ver quem fica mais rico. No entanto pode considerar-se “os mercados” como um todo que segue a lei da oferta e da procura e que ganha dinheiro a prognosticar situações que por vezes são o resultado do próprio prognóstico. O que acontece é que “os mercados” não têm normas morais, nem obedecem aos interesses nacionais dos países. São supra-nacionais e, por definição, apolíticos; tanto lhes faz se o país A é uma ditadura ou se o dirigente do pais B é bem intencionado. Se o país C paga bem aos trabalhadores e o país D investe em betão.
O que medem é quando o país deve e qual a sua capacidade de pagar o que deve.
Actualmente, por causa da crise, toda a gente já percebeu este mecanismo, apesar da maioria das pessoas insistir que “os mercados” são maléficos, porque se estão nas tintas para a felicidade dos cidadãos. Mas quem tem de cuidar da felicidade dos cidadãos não são os mercados, são os governos eleitos por esses cidadãos.
O sistema é dinâmico, evolui sempre para outra coisa qualquer. A presente crise começou com a desregulação do sistema financeiro norte-americano. Sem controle político, “os mercados” precipitaram-se nunca correria ao ouro e tropeçaram na pressa.
Depois do crash, o poder político devia ter voltado a controlar o sistema financeiro. Estranhamente, não controlou. Aconteceu precisamente o contrário. Há um enorme desequilíbrio, no qual o poder político se tornou dependente dos resultados financeiros. Agora são os mercados que mandam, e não os eleitores.
Quando acontecerá o próximo equilíbrio?
Bem, há-de chegar a um ponto em que a diminuição da actividade económica na Europa será tal que os mercados não conseguirão extrair mais dinheiro. Muita dívida soberana e dívida privada ficará por pagar, o que corresponde a uma baixa de rentabilidade real do capital. Nessa altura, aqui em Portugal, estaremos nos níveis de consumo e qualidade de vida da década de 1960. (Em 2012-13 estaremos nos níveis de 1985).
Entretanto a agitação social fará com que a política tome novamente a primazia.
Como mudar isto? Com bons políticos, que tenham sentido de Estado. Que coloquem a felicidade dos cidadãos acima do equilíbrio das contas. Infelizmente, não há nenhum à vista. A Europa está entregue a gente menor, que só vê números à frente: as percentagens das eleições e as percentagens dos juros. Gente que diz o que for preciso para ganhar um voto e faz o que for preciso para baixar um ponto nos juros. Esqueceu-se do que era o projecto europeu, o objectivo de uma Europa homogénea nos direitos e nos rendimentos. Medíocres que se esqueceram da solidariedade e estão a voltar ao egoísmo dos nacionalismos.
Se não aparecerem meia dúzia de bons líderes nos próximos anos (meses), os “os mercados”, essas entidades anónimas e impessoais, vão engordar e engordar até rebentar – como o Sr. Creozote dos Monty Pyton.
Até explodir mais essa bolha e começar um novo ciclo, vamos passar anos muito difíceis.
Apertem os cintos.