Toda a gente (bem; muita gente) fala do artigo que saiu no New York Times sobre as horríveis condições de trabalho nas fábricas chinesas que fornecem a Apple. Os iPhones, que 50 milhões de ocidentais tiveram que comprar se não morriam, foram feitos à custa de algumas mortes chinesas – para não falar das centenas de milhares de operários (só na Foxcomm, um milhão e duzentos mil!) que laboram em condições que associamos ao princípio da Revolução Industrial, quando os trabalhadores labutavam de sol a sol (literalmente) sete dias por semana. Numa ocasião em que foi preciso trocar os vidros de não sei quantos milhões de iPhones à última da hora, os operários foram acordados às cinco da manhã, receberam um chá e um biscoito e fizeram um turno de 12 horas. Nas salas onde aquele maravilhoso alumínio é polido, o pó do metal destrói os pulmões e já explodiu duas vezes (que se saiba) matando uma dúzia de coitados.
O New York Times salienta que não é só nas fábricas que trabalham para a Apple que estas coisas acontecem, todas marcas informáticas ocidentais deslocalizam produção para lá, inclusive a Nokia e a HP. Mas talvez se esperasse que a Apple, uma marca tão clean, com executivos tão cool, de jeans e turtle necks pretas, as coisas fossem diferentes.
Em geral o que as pessoas dizem é que a Apple, ou os americanos, ou o ocidente, ou a humanidade, são uns cabrões. No entanto as culpas têm de ser distribuídas de outra maneira. Quanto à Apple, nos últimos anos tem feito centenas de inspecções nas fábricas e pressionado para incontáveis melhorias. No entanto não é o país deles, nem fazem as leis que regem aqueles operários. Têm culpas, certamente, como as tem quem compra os telemóveis.
Uma conclusão é que a produção industrial só é comercialmente interessante pagando mal aos operários. No Ocidente, a indústria gerou fortunas no século XIX, quando os trabalhadores operavam em condições semelhantes às da China (e Vietnam, e Tailândia, e etc). Com operários decentemente pagos, não funciona. Dirão que é a ganância dos patrões. Será; mas, pelos vistos, a ganância dos patrões não se pode curar. Há sempre uma região do globo em que ela é possível, e é essa região que produz para toda a gente.
Quanto a culpas, o Governo chinês será o mais responsável. Um Estado que se diz comunista, isto é, onde os proletários estariam no poder, trata os seus trabalhadores como carne para canhão. Não há leis e, quando há, não funcionam. Na China, é o Estado que decide tudo. Podia impedir os ocidentais de vir explorar a sua mão de obra mas, ao contrário, incentiva-os. Quer é PIB. Divisas, para mostrar que é o maior. O proletariado que se lixe.
Não vou descartar-me do meu iPhone. Vou é passar a tratá-lo com mais ternura. Há muito sofrimento nesta bela caixa de alumínio.
Impecalvemente polido.