Nota prévia, porque a confusão foi muita:
Correram paralelamente no FaceBook duas páginas principais e muitas páginas satélites.
Páginas principais:
- Criado a 4 de Fevereiro, um GRUPO (ou seja uma página onde se juntam pessoas para determinado fim), chamado “1 Milhão na avenida da Liberdade pela demissão de toda a classe política” e que no dia 12 estava nos 30 mil membros. Têm um manifesto em que se dizem apartidários e que contam com os políticos honestos para por ordem no país e afastar os corruptos.
- Poucos dias depois, um EVENTO (ou seja, um acontecimento com data determinada) que chamava “Geração à Rasca” e que chegou no dia 12 às 50 mil adesões. Tinha um manifesto onde se afirmavam apartidários e se queixavam dos recibos verdes, precariedade dos jovens, etc. Para esse Evento a organização convidou “todos os partidos” e os 230 deputados.
Havia depois uma dúzia de páginas que se apropriaram do título “1 Milhão”, umas grupos, outras eventos, e que propunham a mesma manifestação da Geração à Rasca, no dia 12. Algumas, poucas tinham textos vários, um deles salazarista (isso mesmo, salazarista).
Para piorar a confusão, circulou um email feito por alguém de boa vontade e ideias confusas que, em nome do Grupo “1 Milhão”, fazia uma lista de 30 propostas desconexas para melhorar o país.
Agora, os factos propriamente ditos:
Nos primeiros dias as duas páginas cresceram rapidamente sem aparecer no radar da comunicação social. Mas não tardaram a surgir pequenas notícias, até que Pacheco Pereira comentou o fenómeno na “Quadratura do Círculo” e postou um comentário no Abrupto. Mário Soares dedicou um longo parágrafo da sua crónica no DN ao perigo de tais movimentações. Logo a seguir Miguel Sousa Tavares teceu considerações numa das suas aparições na tv. As três luminárias confundiram os dois grupos, dizendo que era uma manifestação da Geração à Rasca para demissão de toda a classe política e que se tratava de um movimento anárquico e fascizante. Anárquico porque não tinha líderes, fascizante porque quem é contra os políticos é, tal como Salazar, fascista. MST ainda falou depreciativamente do tal email “do grupo”.
Os jornais começaram a falar na manifestação, confundindo, uns mais outros menos, as duas páginas.
O grupo “1 Milhão” reiterou na sua página que 1) ainda não tinha marcado a sua manifestação, 2) apoiava a manifestação do dia 12.
Três acontecimentos vieram dar força e exposição ao evento programado e já tão esperado.
A 6 de Março os Homens da Luta ganham a representação portuguesa no Festival da Eurovisão, e ganham por causa do voto popular, muito incentivado em tempo real nas duas páginas.
No dia 9, o Presidente da República toma posse e faz afirmações surpreendentes: “É fundamental que a sociedade portuguesa seja despertada para a necessidade de um novo modo de acção política (…) Muitos jovens não se revêem na actual forma de fazer política nem confiam que (…) Portugal seja um espaço capaz de realizar as suas legítimas ambições. Precisamos de gestos fortes que permitam recuperar a confiança dos jovens nos governantes e nas instituições.”
Logo no dia 10 no site da Presidência sai um desmentido de que tais palavras fossem um incentivo à manifestação, mas o fogo estava ateado.
No dia 11 o Ministro das Finanças revela um compromisso assumido pelo Governo em Bruxelas que vem taxar fortemente os reformados e que não fora comunicado nem ao PR nem à AR. José Sócrates afirma que não tem que prestar contas a ninguém porque se trata de uma decisão do âmbito do executivo.
Ao mesmo tempo que a manifestação ganha lugar de destaque nos noticiários, multiplicam-se os comentadores, entre Ricardo Araújo Pereira e Rui Ramos, a rotular um acontecimento impossível de ignorar. O tom já não é de tanto desprezo como inicialmente, mas continuam os avisos de demagogia por causa da história de demitir todos os políticos, misturados com comentários sobre se esta juventude está realmente pior do que juventudes anteriores.
Sábado 12 as manifestações em onze cidades decorrem com muita alegria e sem sobressaltos. Estão presentes pessoas de todas as idades e todas as ideologias políticas, da extrema direita à extrema esquerda. Os partidos não se manifestam abertamente, apenas alguns líderes circulam no meio da multidão. Os números mais credíveis são 100.000 em Lisboa e 50.000 no Porto, mas as estimativas vão até a um total nacional de 300.000.
No Expresso de sábado, Miguel Sousa Tavares pede desculpa pela confusão entre as páginas e o email, não sem dizer de passagem que Mário Soares também se enganou.
Dia 13, domingo, ontem, o Evento da Geração à Rasca termina, imediatamente substituído por outro tipo de página: uma COMUNIDADE. O nome é Fórum das Gerações – 12/3 e o Futuro.
O Grupo “1 Milhão” apresenta Cinco Pontos com as ideias-base para o reformar o Estado – já é um texto de propostas e não mais de contestação. E fala da sua manifestação próxima – ainda sem marcar data.
Surgem variadas páginas a tentar organizar novas manifestações para 19 de Março (data já tomada pela CGTP...), 26 de Março, 25 de Abril.
E os comentadores? Alguns, entre Adelino Maltez e Luís Pedro Nunes, dizem que foi uma bela tarde e parecem finalmente em paz com o perigo do populismo e do fascismo.
Marques Lopes, no Eixo do Mal, não perde mais uma oportunidade de mostrar a sua boçalidade: “Foi uma manifestação patrocinada pelas forças mais à esquerda, não percebo porque é que foram lá uns tipos de direita fazer figura de idiotas úteis."
No blogue oficioso do PS, Jugular, Irene Pimentel mal contem a raiva e pega-se à discussão com os comentários dos leitores.
Em geral os blogues fazem uma crítica positiva ao acontecimento, sem deixar, evidentemente, de o colorir segundo as suas cores.
Os “Homens da Luta” são os grandes heróis do momento. José Sócrates, o vilão em queda para o abismo.
Continua...