Dei-me ao trabalho de acompanhar o Congresso do PS. Não completamente, minuto a minuto, pela cobertura permanente da SIC Notícias, mas às pinguinhas – a televisão ligada na sala que é o eixo da casa, por onde passava muitas vezes, algumas quedado de boca aberta a ver e ouvir a sagração de Sócrates.
Pode dizer-se que há dois tipos de congressos partidários; o modelo antigo, arcaico e abandonado, à porta fechada, onde se discutem os problemas, se digladiam as facções e, no meio de muita intriga e contar de espingardas, finalmente se chega a um retrato de grupo que se possa mostrar ao país. Participei num desses, o I Congresso do PS, em Dezembro de 1974. Durante três dias várias facções se defrontaram sobre qual deveria ser a estratégia do partido e quem levaria essa estratégia para a frente. Fumaram-se milhões de cigarros, beberam-se milhares de café e fizeram-se e desfizeram-se dezenas de alianças. No final foi possível compor uma imagem de unidade que estava longe de ser real, como se viu pelas cisões que se seguiram nos anos seguintes. Mas foi uma sessão de trabalho, isso sem dúvida, com um confronto aberto de ideias concretas e sonhos definidos.
Depois há o modelo contemporâneo, do congresso mediático, acompanhado ao vivo pela comunicação social, que não é mais do que um espectáculo cuidadosamente coreografado para apresentar ao país o que já foi decidido antes.
Agora todos os congressos são assim, portanto não se pode dizer que o modelo seja exclusivo de nenhum dos partidos. Pode é dizer-se que é um modelo vazio, festeiro e despesista, uma espécie de masturbação pública sem qualquer interesse quer para os congressistas, quer para os eleitores.
Mesmo assim, ou seja, mesmo considerando que o modelo é esse e não pode ser outro, este XVII Congresso pareceu-me particularmente uma cena de teatro completamente desapropriada para a situação em que estamos. Não era esta a peça que estávamos a precisar de ver – uma comédia pateta quando o que queríamos era um debate dramático.
Como se o Partido estivesse complemente unido à volta de Sócrates e certo quanto ao caminho a seguir. Ora a lógica demonstra que tal coisa não é possível. Por mais tachos que os socráticos tenham distribuído e tenham ainda para distribuir, não é credível que num partido tão grande, que sempre conheceu várias tendências, e num momento tão complicado do país, não haja pelo menos duas ou três correntes anti-socráticas. Porque é que elas não se manifestaram, não faço ideia. Por mais autoritário que Sócrates seja, os próprios mecanismos partidários facilitam a divergência. Haverá sempre alguns socialistas suficientemente honestos para dispensar as benesses e prebendas do conformismo. E há quem tenha discordado do socratismo em público.
Mas nada aconteceu. Até Manuel Alegre voltou ao redil. Apenas dois militantes se atreveram a dizer abertamente que as coisas não estão bem. Dois anónimos corajosos e completamente deslocados na euforia geral. Ninguém os ouviu e certamente não voltarão a ser vistos nas hostes.
E porque é que isto nos pode interessar a nós, eleitores?
O facto é que o PS é um grande partido com um papel incontornável na governação. Um PS renovado, sem Sócrates, poderia ter um papel importante num novo equilíbrio de poder – enquanto que um PS socrático terá o mesmo papel no velho equilíbrio, que já se provou que não serve ao país.
A realidade que este partido apresenta não é certamente a nossa. Vive num estado de euforia que desconhecemos, trava uma luta com a qual não nos identificamos.
É o partido dos trinta mil militantes que só têm a ganhar com a sua permanência no poder, contra uma população de dez milhões que só tem a perder. Uma população que, confrontada com a terrível realidade de dois partidos autofágicos que se estão nas tintas para o país, já não sabe para que lado se virar.
Entre a realidade dos dois partidos e a nossa realidade vai uma distância assustadora. Entre as duas, que venha o FMI e escolha.
De manuel santos a 12 de Abril de 2011
Dei-me conta ao ler todos estes desabafos que quão ilustres mentes habitam neste mal tratado Portugal. No minimo esses comentários revelam essencialmente : 1-falta de imparcialidade, 2 inexestência de factos.
Votei Sócrates e não me arrependo, porquê?
- Não esqueço que dos seis anos de governação, em metade aconteceu a maior crise financeira (a que sucedeu uma violenta crise económica na qual estamos profundamente metidos). Recordo que mesmo em países com economias fortes como a Alemanha, EUA, ainda hoje os efeitos da crise que atravessamos continua a fazer-se sentir imenso.
- Sócrates foi o único 1º ministro que tentou retirar benesses que eram incompreensiveis existir: propiedade das Farmácias em exclusivo a farmacêuticos; impôs mais anos aos politicos caso se queiram reformar (um homem com a idade de Marques Mendes é vergonhoso já estar
reformado).
Não conseguiu (PSD opôs-se) que o Estado deixasse de pagar aos Juizes + de 700 euros de subsidio de renda de casa mesmo que vivam na comarca onde trabalham
- Quanto á avaliação dos professores o modelo que foi concertado com PSD não foi aprovado pois este partido numa atitude (cobarde)que define o caracter das pessoas rompeu o acordo, provocando uma situação que até o Presidente "Espia" nem sabia o que havia de fazer.
- Fez a reforma da Administração Pública, ninguém até então o tinha feito. M. Cadilhe há uns tempos referiu que C. Silva quando teve 2 maiorias o deveria ter feito. Só que tudo isto custa votos....
- Reforma da Segurança Social
- Aumento significativo das Reformas/Pensões e Ordenado Mínimo
- Foi vítima de uma armadilha por parte do Presidente sem precedentes numa Democracia, quando diziam que era o Governo que espiava a Presidência da Républica acontecia precisamente o oposto, com o chefe de imprensa a fabricar noticias com um jornalista (?) do PÙBLICO.
- Para esta crise toda a gente contribuiu p. ex. álguem se preocupa em saber se os produtos que está a comprar são produzidos em Portugal?
é que inconscientemente pode estar a contribuir para o desemprego
- Outro exemplo: quando Belmiro de Azevedo compra leite polaco, ou de outra qualquer origem, poupando 2,3,4,5 cêntimos o que é que na realidade provoca? Tantas e tantas coisas negativas que poderia estar á vontade 2horas a escrever...
- Haja bom senso pois ninguém é só virtudes e outros só defeitos
- O que é de estranhar é o pouco patriotismo que foi evidente nesta crise politica onde o Presidente "Espia" teve grandes responsabilidades. O PEC IV não foi aprovado na Assembleia mas agora vai ser a base de trabalho mas acompanhado com medidas ainda mais duras a nivel salarial, os funcionários públicos e reformados vão ser bastante penalizados, e em geral todos nós. Sabendo das exigências de Bruxelas o que é que P. Coelho fez? Tirou o tapete ao governo e no dia seguinte a solução estava em aumentar o IVA para 25%!!!! Isto recorda-me a imagem do lobo que esava com tanta fome (neste caso de poder) que ficava ainda mais magro pela imensa saliva que deixava cair. Mais que saliva perdeu-se lucidez, mais que interesses pessoais seria necessário cuidar dos interesses NACIONAIS. Deviam ser julgados e condenados quem procedeu com tamanha leviandade.
- Por fim e relativamente a Congressos quero dizer que acompanho exclusivamente através das noticias ou da RTP ou SIC sou incapaz de estar a acompanhar um Congresso politico, mas uma coisa sei dizer, todos são iguais - com uma variante no PCP em que o secretariado, se não me engano é o orgão máximo, e já vai para o Congresso completamente preenchido.
De resto é importante que haja um lider forte tal como numa empresa, numa equipa, em casa, etc ....
De Anónimo a 12 de Abril de 2011
Prezado Manuel Santos,
dou-me conta que a respeito de imparcialidade o Senhor tem muita pouca autoridade.
A crise internacional serve como culpa e desculpa para tudo. Votei Sócrates, e enganei-me. Também sou culpado do estado a que chegou este país, mas votei enganado. É muito fácil combater corporações criando outras tantas. Ou seja, ficou tudo na mesma.
Por outro lado, infelizmente, vivemos sempre no passado. Com esta atitude perdemos o presente e o futuro. Eu sei, o futuro está aí como enganosa esperança para justificar os erros do presente.
Assumo que o que diz é verdadeiro, ou seja, que ninguém é só virtudes. Só que Sócrates, em matéria governativa, não terá mais nenhuma oportunidade de mostrar tais virtudes. Todavia, não sou detentor da verdade absoluta.
Algo posso garantir-lhe, escrevo sem paixão e sem preocupação em justificar o injustificável.
De jorge manuel brasil mesquita a 13 de Abril de 2011
Contra factos não há argumentos. O complexo da esquizofrenia que o partido sofre, envolve-o num abraço de cómicos que representam a comédia da mediocridade e lambem, com o maior dos à vontades, a cicuta do ostracismo popular, pese o facto de que na altura das eleições serão muitos aqueles que ainda acreditam na cura do doente e aguardam que os milagres forasteiros transformem um cancro numa flor de lótus. O Senhor José Sócrates institui-se como uma miragem do deserto em que o país se transformou, e, muitos são, os que dentro e fora do partido concebem um oásis à sua imagem e ao seu conceito social que é uma penalização a todos o que o consomem. O partido é uma febre que não desce e um discurso delirante, servido com os manjares maléficos de um FMI, para quem Portugal, nada mais é do que uma sobremesa de presuntos.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Lisboa, 13/04/2011
De Anónimo a 14 de Abril de 2011
Se Sócrates fosse uma miragem ainda teriamos alguns momentos de consolação. Mas Sócrates é um pesadelo bem real, e a única miragem que nele se vai revelando é a certeza de que ele é o todo e a parte. Tudo o resto, ou todos os outros, são questões à parte.
De jorge manuel brasil mesquita a 13 de Abril de 2011
É só para acrescentar que estou no blogue etpluribusepitaphius.blogspot.com que, por sua vez, está interligado a outros seis blogues, cada um, com o seu conteúdo temático. Boa aula!
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Lisboa, 13/04/2011
De charnequeiro a 14 de Abril de 2011
Caro blogueiro, chego até si através de uma correspondente que me enviou um anexo com o seu texto e o link para o blogue.
Espero que não seja daqueles que, quando se referem ao PS, dizem "este partido socialista", como se houvesse outro, ou gostassem que houvesse, mas a seu modo e à sua medida.
Como você fui também militante do PS, no meu caso durante mais de 25 anos.
Nunca ocupei cargos de direcção, nada pedi, nada me ofereceram, não tirei benefícios de qualquer ordem, pessoais ou familiares. Pelo contrário, fui presidente de junta durante 16 anos, com isso prejudicando a minha vida profissional e familiar, bem como a saúde. Não me queixo.
Quando entendi que devia sair do PS saí, já lá vão 9 anos e ninguém me ouve dizer bem ou mal do Partido e acho que, se o quisesse fazer devia continuar lá.
Não o conheço, não o quero julgar. Esteve no PS, participou em cargos ou funções estatutárias, saiu quando e como quis. Espero que não tenha feito como muitos: saíram zangados quando não lhe deram lugares a que se achavam com "direito"
De Anónimo a 15 de Abril de 2011
Eu sou daqueles que gosto de um PS, assim como de qualquer ou partido, com modos e com medidas, não à minha medida mas à medida de uma nação que não se mede por cargos políticos, partidários ou de qualquer outra espécie. Sim, fui eu que usou o termo "este PS".
Na realidade este PS faz lembrar a estorieta sobre a reacção de um cidadão que numa festa popular bebeu 5 litros de vinho e no final comeu uma, repito, uma azeitona.
Está visto que o excesso provocou uma grave reacção. Mas o interessante é que tal cidadão passou o resto do ano a dizer que o problema não foi ter bebido 5 litros de vinho na festa, mas afirmava que a azeitona que tinha comido é que provocou tão graves distúrbios.
Eu traduzo. Para este PS o problema não foi a (des)governação que causou ("5 litros de vinho mal bebidos", espero que compreenda a metáfora), mas o facto dos outros terem abortado o PEC IV (esta é a azeitona).
Por isto mesmo eu gosto de ver partidos com modos e medidas, modos certos e medidas certas.
Meu caro,
Também estive no Congresso de Dezembro de 1974, em plena euforia revolucionária.
Foi, como diz , um Congresso de debate e de luta aberta pelo poder, que hoje com a clarividência que o distanciamento proporciona, permite afirmar que extravasava para fora das paredes onde se digladiavam os congressistas.
Fui apoiante da facção derrotada e dirigida por Manuel Serra, que se apresentava como a corrente capaz de conduzir o país para a revolução. Não concordo que tivesse havido uma imagem de unidade, depois da forma violenta como se trataram os opositores.
Mas tenho a convicção, que as grandes decisões não passaram pelo palco mediático. Mesmo num tempo de confrontos abertos e de fervor utópico, as grandes linhas foram cozinhadas nos bastidores, tal e qual como hoje.
Os Congressos actuais acompanham a mediatização da política e são apenas locais de consagração do que já foi decidido. A eleição do líder de forma directa, também contribui para isso.
Quanto à competência ou incompetência desta liderança, é matéria de opinião. Cada cabeça sua sentença e nestas coisas não há verdades absolutas e se calhar nem sequer há verdade. Na vida como na política, não há só preto e branco, ou bons e maus. Se tudo fosse simplex, o mundo era um paraíso.
MG
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