Entre más notícias importantes e más notícias mais para o fait divers, todas as semanas temos com que nos entreter. Não admira que a maior parte da população ande deprimida. A outra parte anda à nora, uma vez que as informações são sempre difusas, contraditadas imediatamente, ou dentro de um contexto que se adivinha mas não se sabe.
Também, as notícias vêm e logo se vão, substituídas por outras. Esta semana foi o “caso Crespo”.
Na quarta feira, dia 17, o Expresso saiu-se com a notícia de que Mário Crespo, o suave pivot da SIC Notícias, foi convidado por Miguel Relvas, o áspero trauliteiro do Governo, para correspondente da RTP em Washington.
É preciso lembrar que o Expresso, pela sua posição de referência, de que se orgulha e que quer preservar a todo o custo, não dá uma informação destas sem as verificações que a deontologia recomenda. Também convém não esquecer que o Expresso pertence a Francisco Pinto Balsemão, dono da SIC onde Crespo trabalha e Militante Número Um do PSD. Balsemão não anda a ver tudo o que sai no Expresso, mas o cruzamento de propriedades dá ainda mais verosimilhança à notícia.
Os analistas derivaram desta história várias implicações: a privatização da RTP é certa (uma vez que Relvas passa por cima da Administração, como se ela já não contasse); e Crespo está a ser recompensado pelo belo trabalho que fez na SIC para deitar abaixo Sócrates.
Quanto à primeira ilação, não nos parece assim tão cristalina; continuamos a achar que a privatização da RTP, não interessando a Balsemão e a Pais do Amaral, não ocorrerá.
Quanto à segunda, é tão evidente que nem precisa de contraditório. Crespo andava em guerra com Sócrates há muito tempo, com episódios tão agrestes como a famosa coluna escrita para o Jornal de Notícias e cortada pelo director, José Leite Pereira, mas que imediatamente circulou na Net. Foi essa coluna que o levou depois a comparecer à Comissão Parlamentar Sobre a Liberdade de Imprensa.
Na quinta feira, Miguel Relvas recusou fazer qualquer comentário sobre o possível convite, o que não é o mesmo que negar. Não comentar quer dizer, em princípio, que ocorreu mas não se quer falar nisso. Contudo, não é uma confirmação, lá isso não é.
Na sexta feira, Crespo desmentiu taxativamente na SIC Notícias, esquecendo um dos princípios do jornalismo, que é não falarmos de nós próprios. O correcto seria fazer outro jornalista ler um comunicado. Mas Crespo é vaidoso; ficamos a sabê-lo da pior maneira quando mostrou a t-shirt com os dizeres “Ainda não fui processado pelo Sócrates” na Comissão Parlamentar, um momento realmente caricato da vida politica nacional. (Além de que a visão do Crespo a deitar-se na caminha só com aquela t-shirt vestida é bastante constrangedora.)
Adiante: o Crespo jornalista dar a notícia de que o Crespo personalidade não recebeu o convite não convenceu, nem pouco mais ou menos.
Até porque se sabe que Crespo já tinha pedido para ir para Washington em 2006. E toda a gente sabe do seu cordial relacionamento com Relvas, um convidado constante do Frente a Frente.
A somar a estas situações, ficou a saber-se que foi precisamente Relvas que estava na mesa ao lado do famoso almoço em que Sócrates disse que tinham de se ver livres do jornalista.
Bem, e o que se pode concluir de tudo isto?
Nada que afecte a nossa vida tanto quanto as medidas que o Governo tem vindo a tomar – e mais as que ainda não tomou e já vai tarde.
Foi apenas um fait divers, tal como tinha sido o “caso Bairrão”. Mais um prego no caixão onde se enterra a nossa confiança nos políticos, nas instituições, na imprensa, na ética de todo o sistema.
São as tricas de bastidores que podem não ter grande importância, mas acrescentam mais um pouco à sensação insistente e permanente de que estamos a ser enganados.